De Post a Volpi: da tinta a óleo aos canibais devoradores de arte e outros modernismos

por Juliano Mignacca
Uma ótima chance para aproximar o olhar na trajetória da arte brasileira até meados dos anos 1930 é visitar duas exposições em São Paulo. A Pinacoteca do Estado e a Estação Pinacoteca fazem um magnífico recorte em Arte no Brasil. Ali esta o primeiro registro da paisagem brasileira através do pincel do holandês Franz Post, que no séc. XVII chegou a Recife na comitiva de Maurício de Nassau.
Frans Post, Vista de Itamaracá, 1637
Dois séculos mais tarde, a abertura dos portos proporcionada pela transferência de Dom João VI para o Brasil, causou a imigração de artistas de diferentes nacionalidades que retrataram a paisagem e a cultura da colônia. Essas telas se encontram na sala Os Artistas Viajantes. Em 1816, desembarca a Missão Artística Francesacuja finalidade era formar artistas e artífices no país, o que veio acontecer posteriormente. Algumas obras desses primeiros artistas franceses que chegaram aqui estão na divisão A Criação da Academia: o pintor Nicolas-Antoine Taunay, seu irmão escultor Auguste Taunay e Jean-Baptiste Debret, pioneiro da pintura histórica do país. Sob a influência desse gênero, surge a primeira geração de pintores Brasileiros – o paraibano Pedro Américo e o catarinense Victor Meirelles.
Jean-Baptiste Debret, Caboclo, 1834

Há salas que exibem obras dos mestres, alunos, e alunos que se tornaram mestres em quase um século de transformação da Academia. São pinturas históricas, retratos, paisagens e natureza-morta que se apoiavam na estética e regras artísticas da Europa, sobretudo da França. Muitos artistas ganharam bolsas e prêmios para estudarem na Europa através da Academia do Rio, e mais tarde, do Pensionato Artístico de São Paulo. O resultado entretanto, permanecia na repetição, assimilação do academismo apesar de estarem em constante contato com novas tendências vanguardistas. A necessidade de uma arte que dialogasse com a cultura do país já tinha sido iniciada há tempos. Os irmãos Bernadelli buscaram uma identidade nacional indígena, mas exageradamente idealizada e romantizada. Almeida Júnior encontrou a brasilidade aliada a cores e luminosidade em seus caipiras. O Violeiro, Amolação Interrompidae Caipira Picando Fumo são exemplos desse novo espírito. Embora surgissem temas, elementos colorísticos e formais da nossa natureza, não houve qualquer ruptura estética fundamental com os padrões acadêmicos. Segundo, Mário Pedrosa, um dos maiores críticos e teóricos de arte no Brasil, isso ocorre na obra de Elyseu Visconti, insurgente da Academia Imperial do Rio de Janeiro que aproveitou com ousadia sua experiência na Europa. Para Pedrosa, foi a primeira revelação da bidimensionalidade inexorável do retângulo, um precursor da pintura Moderna Brasileira.

Almeida Júnior, O Violeiro, 1899
O Lituano Lazar Segall chegou ao país no final de 1912, e no ano seguinte, com uma exposição em São Paulo e outra em Campinas, despertou o interesse da critica com sua pintura expressionista. Mas o grande choque estético veio acontecer quatro anos mais tarde com a exposição de Anita Malfatti.
Essas exposições ajudaram arregimentar forças para um grupo de intelectuais idealizarem o movimento modernista conhecido como a Semana de 22 no Teatro Municipal de São Paulo. O único lugar no mundo que a arte moderna teve local, dia e hora marcada para começar. Um marco divisor entre a arte acadêmica e a linguagem moderna. Foi o tiro de largada para a pesquisa plástica. Essa liberdade estética leva uma nova geração de artistas a abandonarem a tradição. Surgiam então os fundos chapados, ausência de profundidade, cores arbitrarias, manchas, eliminação de contornos e linhas. Mas ainda que o viés artístico tivesse características nacionais muito próprias, era uma arte concebida sob os paradigmas vanguardistas europeus. 
Anita Malfatti, Tropical, 1916
A visita é um passeio sensorial pelas cores tropicais de Tarsila do Amaral, as moças de Di Cavalcanti, a formas geométricas e orientais de Vicente do Rego Monteiro, a plasticidade monumental de Candido Portinari e o retorno a paisagem nacional através da poética de José Pancetti e Guignard. A leitura visual dessa retrospectiva cronológica da arte brasileira se estende até as primeiras experiências de Alfredo Volpi e Aldo Bonadei, artistas que iniciaram a transição da arte figurativa para o abstracionismo. A gênese do movimento Concreto e Neoconcreto dos anos de 1950, um dos momentos mais interessantes da historia cultural do país, mas isso é assunto para outra oportunidade.
 
Alfredo Volpi, Composição, 1976
Pauta e texto por Juliano Mignacca
Edição do Isso Compensa
Coluna: Arte

 


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