A liberdade guiando o maio de 68

por Homero Nunes

“Sejam realistas, exijam o impossível!”

“O sagrado, eis o inimigo!”

Eugène Delacroix pintou “A Liberdade Guiando o Povo” para representar a revolução de 1830, com suas barricadas e o povo avançando para a modernidade. A tela se tornou símbolo da França, da Revolução Francesa (1789) e dos movimentos populares mundo afora. Quando as barricadas reapareceram na Paris de maio de 68, o fotógrafo Jean-Pierre Rey registrou a imagem da mocinha carregando a bandeira, como se a liberdade novamente guiasse o povo. A fotografia em diálogo com a pintura, tornou-se símbolo daquele mês de maio que ficaria marcado na história, daquele ano-furacão que mudaria o mundo, 1968, com os estudantes fazendo piquetes, greves e paralizações, pichações nos muros, palavras de ordem e a contracultura nas ruas. A estrela da foto – moderna em si, em roupas, de cabelos curtos e carregada nos ombros de um homem – se tornaria a nova “Marianne”, mulher em liberdade, ícone da Revolução Francesa e, então, da juventude nas ruas de 68.

“Acabareis todos por morrer de conforto”

Ela, Caroline de Bendern, era uma estudante inglesa, de vinte e poucos anos, levada no fluxo da multidão sem ao menos perceber a história acontecendo ao redor, como diria em depoimento anos mais tarde. Por causa da foto, perdeu o sossego e o sustento da família, visto que foi deserdada pelo avô, após o velho aristocrata barbatanas sofrer de desilusão pela nódoa na imagem da família. Com o tempo retornou aos seus, reintegrada nos campos da distinção de classe, mas nunca mais se recuperaria do quadro em foi emoldurada.

Misturando orgulho e decepção e amargor, processou o fotógrafo pelo uso indevido de sua imagem e pelo dano causado. Escondeu-se dos holofotes, saiu de cena, mas ainda hoje responde perguntas pela imagem que a imortalizou, entre o maio de 68 e a liberdade de Delacroix.