Grete Stern: a ilustradora de sonhos

por Homero Nunes

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Retratar as imagens dos sonhos em fotografias. Coisas absurdas, fragmentadas, surreais, que assombram o sono em sonhos e pesadelos, traduzidas em montagens fotográficas. O trabalho de Grete Stern era figurar o impossível.

Alemã, estabelecida em Buenos Aires após fugir da intolerância nazista, a fotógrafa se aliou ao professor Richar Rest – o psicanalista fictício criado por Enrique Butelman e Gino Germani, psicólogo e sociólogo – para ser a “ilustradora de sonhos” da coluna “A Psicanálise te Ajudará”, na revista Idilio, no fim dos 40 e início dos 50s. Os psicanalistas, ou melhor, o professor Rest respondia na coluna as cartas dos leitores (na maioria mulheres, leitoras) sobre seus sonhos loucos e pesadelos, seguindo a onda provocada por Freud e os seus no início do século XX. A fotógrafa ilustrava a discussão com colagens, sobreposições, montagens, que ora remetia ao absurdo dos sonhos, ora se apoiava na interpretação psicanalítica. Enfim, a missão era, repito, figurar o impossível.

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O Surrealismo já tinha tentado a empreitada em telas desconcertantes, que surpreendiam pela imaginação dos pintores, na composição do onírico. Dalí, Magritte, Ernst, fizeram o trabalho de quebrar os paradigmas e abrir caminho, avant-gard, para a distorção da percepção, entre o consciente e o inconsciente, desenhando possibilidades escancaradas pela moderna psicologia e a psicanálise. Na fotografia, Man Ray e Philippe Halsman, contemporâneos de Grete Stern (1904-1999), também a incluíam no movimento, levando lentes e composições aos devaneios surreais.
Stern viu de perto estas novas transformações, teóricas e estéticas, tendo vivido o turbilhão das vanguardas ainda na Europa, desde muito cedo ligada às artes. Foi aluna da Bauhaus – a escola da “arte total” criada por Gropius na Alemanha dos anos 20 – e foi iniciada na fotografia pelo mestre Walter Peterhans, o idealista, comunista, que queria criar uma nova estética lançando mão de recursos múltiplos e reinventar a fotografia. Stern foi boa aluna, realizou em grande parte o sonho do professor, ilustrando sonhos.

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Começou sua carreira ainda na Alemanha, aos 20 e poucos, quando empreendeu um estúdio com vistas à profissionalização daquilo que fazia por gosto. A ideia era sobreviver da sua arte e, ao mesmo tempo, ter condições de soltar a sua criatividade. Mas a vida era cruel naqueles tempos para uma mulher, jovem, judia, comunista e moderninha demais: ela precisava lutar de uma só vez contra o machismo, o preconceito, o antissemitismo, a ascensão do nazismo e o conservadorismo de direita que se estabelecia como hegemônico naquele momento vergonhoso da história. Eram tantos “ismos” contra que a jovem fotógrafa abandonou tudo – estúdio, família, amigos e ideais – e partiu para o exílio. A Argentina não foi escolha, foi oportunidade.

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Em Buenos Aires, precisando trabalhar, fez contatos com jornalistas e intelectuais até conseguir se firmar como repórter fotográfica. Montou um estúdio em sua própria casa e continuou a empreitada que a ignorância nazista tentou destruir. Sua arte sobreviveu ao trauma e atingiu, aqui no fim do mundo, as altitudes que pretendia nos tempos da Bauhaus. Na série das ilustrações dos sonhos, Stern recriou a fotografia, manipulando imagens, recortando e colando, imaginando o onírico, inventando seu universo. Haja criatividade, Grete Stern configurou o impossível.

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