A Holanda é conhecida por suas flores, sobretudo as tulipas. Em “Flora e a Carruagem dos Tolos”, a deusa das flores, Flora, segue em uma carruagem de vento rumo ao mar, cercada de ricos senhores com tulipas na cabeça, seguida de sedentos burgueses que estendem suas mãos em busca de suas pétalas. Todos vão ao mar, ao colapso, atrás da ilusão das flores.
Na tela, Hendrik Gerritsz Pot, pintor da leva holandesa do século XVII (entre Frans Hals, Rembrandt e Vermeer), representava a “febre das tulipas”, a bolha que estourou a economia dos Países Baixos nos anos 1630. Aliás, a própria expressão “bolha econômica” veio mesmo de lá, em referência aos bulbos de tulipas que foram supervalorizados pela especulação e estouraram a crise da “tulipmania”.
A tulipa, originária da Ásia Menor, era novidade atraente na Europa da época e passou a ser cultivada em grande variedade de espécies nas planícies holandesas. Fazia sucesso nas feiras e mercados, consumida como artigo de estatura, com preços variando de acordo com a raridade dos bulbos. Os mais comuns, negociados aos montes, eram acessíveis ao povo, que imitava os estamentos superiores no consumo de tulipas. Por outro lado, algumas espécies começaram a atingir preços exorbitantes, devido à procura ostentatória e ao consumo conspícuo. Muitos lucros para muita gente atraíam investidores e especuladores para o mercado das flores, pois todos buscavam o florescer da prosperidade. A euforia era tanta que gentes vendiam bens e tomavam grandes empréstimos para entrar no negócio, agricultores abandonavam o plantio de alimentos para priorizar o cultivo, camponeses disputavam palmo a palmo os campos, atravessadores pagavam adiantado, mercadores negociavam colheitas de estações futuras. A realidade nunca é tão boa. No primeiro inverno mais rigoroso, na primeira virada do clima, as perdas atingiram a todos. Desconfiados do mercado, investidores tiraram o suporte, banqueiros cobraram as dívidas, produtores liquidaram os estoques, os preços começaram a despencar. A quebradeira foi geral. Calotes em cadeia deixaram as plantas perecendo nos campos e nas feiras. De repente ninguém mais enfeitava a sala de jantar com tulipas listradas. Bancarrota.
A “febre das tulipas” afundou muitos na ilusão do lucro. Hendrik Gerritsz Pot pintou com sarcasmo o windhandel, o “negócio de vento” que causou a crise da época, movendo pelo vento a carruagem da Flora. Alguns enriquecidos se esparramam na carroça vestidos como bobos da corte, duas iludidas senhoras também estão distraídas do destino, na “carruagem dos tolos”. Mais tolos ainda são os que a seguem, na ilusão provocada pelas tulipas. No fim, seria de volta apenas uma bela flor.
Superada a crise, a tulipa se tornaria um símbolo da Holanda, consumida pela beleza que encanta e pelo mistério que ainda seduz.
Coluna: ARTE