por Homero Nunes
Em 1956 Aldous Huxley narrou seu “Admirável Mundo Novo” no rádio. A edição das gravações deu origem a um LP, um audiolivro em vinil, na voz do próprio autor e música de Bernard Herrman. Era o clássico da ficção científica prevendo a época dos audiobooks, dos podcasts, dos e-books do Itunes* etc.. Resumido, cortado, atalhado, editado do jeito que deu para caber nos dois lados do disco. Como ainda fazem com os best-sellers de hoje, para caber em arquivos MP3.
Aldous Huxley, por Richard Avedon, 1956 |
A transmissão, de 27 de janeiro de 1956, foi parte de um projeto chamado CBS Radio Workshop Broadcast, que tinha como slogan “uma distinta série para a imaginação do homem”, na qual grandes autores eram convidados a ler trechos de suas obras no rádio. Também com alguns esquetes. A première foi justamente com Aldous Huxley e o Admirável Mundo Novo.
Aldous Huxley 1984 – 1963 |
Fez tanto sucesso que resolveram aproveitar as gravações e produzir o disco. Sucesso continuado, repercutiu em diferentes edições de LPs nas décadas seguintes. A capa acima é da Pelican Records, de 1979. Em um LP especial, também seriam incluídos os comentários de Huxley, explicações sobre o enredo e um trecho da entrevista com o autor, que foi ao ar dias depois da transmissão original.
*o audiolivro está disponível no Itunespor $9,99 usd.
E de graça para baixar por aí na rede.
Ou para escutá-lo no Youtube:
Brave New World, o livro
Publicado em 1932, Admirável Mundo Novo conta a história do futuro, de um tempo de relações sociais frias, de estratificação severa, de pílulas de felicidade artificial, de manipulações e condicionamentos. Uma sociedade desumanizada, em linhas de produção, vigiada, controlada, alienada. Qualquer semelhança é mera coincidência. Certamente o desaparecimento das instituições tradicionais, até mesmo o fim da família, a crise dos valores, dos princípios que nos regem, são previsões surreais, não é mesmo? O bravo mundo novo imaginado por Huxley era mesmo muito diferente deste nosso aqui, apesar das abstrações e viagens interpretativas que, mais que permitidas, são obrigatórias para a fruição literária.
Forçando a barra, Huxley seria o profeta da pós-modernidade. Mas o futuro de 1932 é diferente do futuro de 2014, que será diferente do próprio futuro. O que fica é o processo de desumanização, a crise dos valores que foi percebida por Nietzsche, a burocratização por Max Weber, o totalitarismo da razão instrumental, o comportamento controlado, condicionado, educado, domesticado por estruturas de poder e dominação, vigiado e punido, como diria Foucault. A tendência à alienação, à fuga da realidade, ao hedonismo instantâneo. Doses de Somapara aliviar a realidade, vendidas em forma de álcool, drogas, medicamentos, entretenimento vazio. Conforme diria Huxley, somos dominados por aquilo que nós mesmos criamos – ciência, tecnologia, organização social –, coisas que deveriam servir aos homens, mas que se tornaram nossos mestres. Repito: qualquer semelhança é mera coincidência. Admirável Mundo Novo se tornou o grande clássico da ficção científica no século XX, seguido de perto pelo “1984” de George Orwell, publicado em 1949.
“… se, alguma vez, por um acaso infeliz, um abismo de tempo se abrir na substância sólida de suas distrações, sempre haverá o Soma, o delicioso Soma, meio grama para um descanso de meio dia, um grama para um fim-de-semana, dois gramas para uma excursão ao esplêndido Oriente, três para uma sombria eternidade na lua; de onde, ao retornarem, se encontrarão na outra margem do abismo, em segurança na terra firme das distrações e do trabalho cotidiano…”
HUXLEY, Aldous. Admirável Mundo Novo. 1932.
No final do terceiro capítulo.
Cinema
O filme “Admirável Mundo Novo” é uma adaptação medíocre da obra de Huxley. Não compensa. Talvez, com muito esforço e boa vontade, o filme “Gatacca – Experiência Genética“, de 1997, também inspirado no livro de Huxley, possa ser lembrado como um vislumbre cinematográfico de Brave New World. Curioso, até interessante, com ressalvas. Leia o livro.
Coluna: Literatura
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