“Como, diabos, pode um homem gostar de ser acordado às 6h30 da manhã por um despertador, sair da cama, vestir-se, alimentar-se à força, cagar, mijar, escovar os dentes e os cabelos, enfrentar o tráfego para chegar a um lugar onde essencialmente o que fará é encher de dinheiro os bolsos de outro sujeito e ainda por cima ser obrigado a mostrar gratidão por receber essa oportunidade?”
BUKOWSKI, Charles. Factótum. Porto Alegre: LP&M, 2011. Cap. 55. Tradução de Pedro Gonzaga.
Hank
Um dos escritores mais prolíficos do cenário underground americano, Bukowski descreve, em primeira pessoa _na voz de seu alterego, o escritor fracassado Henry Chinaski _ a vida dos párias, oprimidos, vagabundos e rejeitados pela sociedade Americana. Descreve, como quem não tem nada a perder, o drama cotidiano dos que vivem à margem da sociedade, com imagens sobrecarregadas de sexo, abuso de álcool e violência. Sem se importar com a crítica que o considerava ofensivo, construiu, ao longo da vida, uma obra magnífica que o lavaria a ser cultuado no meio literário como um dos autores mais autênticos de sua geração.
Alemão, nascido em Andernach, mudou-se com os pais aos 3 anos para os Estados Unidos. Na adolescência sofreu a rejeição dos que consideravam seu aspecto asqueroso devido a problemas de pele que marcariam seu rosto pelo resto da vida. Aos 13 anos um dos amigos convida-o a fazer uma visita à adega de vinhos de seu pai e lhe oferece seu primeiro drink. _Foi mágico! Escreveu Bukowski anos mais tarde.
Durante a maior parte da vida permaneceu sem reconhecimento algum, tendo seu primeiro romance publicado somente aos 40 anos (Post office – 1971). O velho “Hank” nunca admitiu ter sido parte do movimento literário conhecido como “A Geração Beat”. Após o reconhecimento e notoriedade foi convidado pelo diretor francês Barbet Schroeder a escrever o roteiro para o filme “Barfly” (1987) (https://yts.mx/movies/barfly-1987), estrelado por Mickey Rourke e Faye Dunaway (direção de Schroeder). O filme aborda 3 dias da vida de Bukowski aos 24 anos de idade.
Henry Chinaski (Hank) Bukouwski morre de pneumonia, por complicações decorrentes de um tratamento contra a leucemia, aos 73 anos, em 9 de março de 1994, em San Pedro, Califórnia. Em seu túmulo, o epitáfio: “Don’t Try” _”Não Tente”. Após sua morte o velho “Hank” continuou sua trajetória com inúmeras publicações post mortem, tornando-se definitivamente o herói “cult” de agora.
Dentre os inúmeros poemas e frases geniais eu gostaria de destacar aqui: Your Life is Your life: Go all the way
Poucos são os homens que caminharam por este mundo que teriam a coragem de calçar os sapatos de Henry Chinaski. _We will go all the way, Hank!
Por Anderson Batista
Segue um trecho:
“…E minhas questões pessoais continuavam tão más e lamentáveis quanto no dia em que nasci. A única diferença era que agora eu podia beber de vez em quando, embora nunca o suficiente. A bebida era a única coisa que impedia um homem de se sentir para sempre atordoado e inútil. Todo o resto ia furando e furando sua carne, arrancando seus pedaços. E nada tinha o menor interesse, nada. As pessoas eram limitadas e cuidadosas,todas iguais. E eu teria que viver com esses fodidos pelo resto da minha vida, pensei. Deus, todos eles tinham cus e órgãos sexuais e bocas e sovacos. Cagavam e tagarelavam, e todos eram tão inertes quanto estérco de cavalo. As garotas pareciam legais a certa distância, o sol resplandecendo em seus vestidos, em seus cabelos. Mas vá se aproximar e ouvir seus pensamentos escorrendo boca afora, você vai sentir vontade de cavar um buraco ao sopé de uma colina e se entrincheirar com uma metralhadora. Eu certamente nunca conseguiria ser feliz, me casar, nunca teria filhos. Inferno, eu nem mesmo conseguia um emprego como lavador de prato. Talvez eu pudesse me tornar ladrão de banco. Alguma coisa bem fodida. Alguma coisa flamejante, fogosa. Só se vive uma vez. Por que ser um limpador de vidraças? Acendi um cigarro e segui descendo a ladeira. Será que eu era a única pessoa que perdia tempo pensando nesse futuro sem perspectivas? Vi outra dessas aranhas grandes e negras. Estava mais ou menos na altura do meu rosto, em sua teia, bem no meu caminho. Peguei o meu cigarro e cravei no meio d ela. A tremenda teia balançou, tremeu, e a aranha se jogou, balançando a folhagem. Ela pulou da teia e caiu na calçada. Assassinas covardes, todas elas. Esmaguei-a com o meu sapato. Que dia proveitoso, eu tinha matado duas aranhas, esculhambado o equilíbrio da natureza – agora seríamos todos devorados por percevejos e moscas…”
Charles Bukowski. Misto Quente. 1982
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Compensa o documentário: “Bukowski _Born into this” (2003)
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