Do Declínio do Império às Invasões Bárbaras

por Homero Nunes
Uma elipse de 17 anos separou o  “Declínio do Império Americano” (1986) das “Invasões Bárbaras” (2003). A sugestão é ver os dois filmes em seqüência, o que permite ao espectador envelhecer com os personagens e amadurecer com a história. A linearidade é mantida pelo mesmo elenco e pela essência de cada personagem, embora a distância entre os filmes se coloque sutilmente em diferentes propostas. Difícil afirmar qual o melhor, pois original e continuação se completam ao mesmo tempo em que se distanciam: o primeiro é uma crítica bem humorada à decadência dos valores na sociedade moderna; o segundo é uma visão dramática – mas também bem humorada – das contradições do mundo contemporâneo.

O primeiro apresenta o “Declínio do Império” a partir da crueza dos intermináveis diálogos entre homens, entre mulheres e entre ambos; onde as falas são impregnadas de sarcasmo, ceticismo e falsidade. Um grupo de intelectuais discutindo sexo, traição e vida num contexto de degeneração moral e crise de valores. Dentre discussões históricas e sociológicas e vocabulário acadêmico, as falas são sobre o cotidiano nada romântico do grupo, com ironias e tiradas tão engraçadas quanto inteligentes. Aliás inteligência sobra no filme, o que falta são valores: a derrocada do “império” é a decadência moral da sociedade moderna (ou pós-moderna?). 

Incorreto como o “Declínio”, as “Invasões Bárbaras” segue os mesmos princípios: inteligência, ironia, senso crítico e bom humor. Mas assim como o elenco, o filme é mais maduro, mais sutil, mais sensível. O título sugere a linearidade entre os roteiros, contudo ele é explicado como uma alusão à invasão dos bárbaros nos domínios do “império”, ou seja, dos terceiro-mundistas, dos radicais muçulmanos, dos exilados econômicos, dos marginais etc. O atentado com aviões em Manhattan aparece como ilustração fundamental da invasão dos bárbaros: o império decadente é vulnerável e fatalmente será atingido. “Não quero morrer atacado por mulçumanos fanáticos”, diz o personagem central quando perguntado se aceitaria ir aos EUA para o tratamento do câncer. Doença esta que acaba por unir o grupo de intelectuais do primeiro filme em torno do ranzinza e sarcástico professor à beira da morte. A carga dramática é suavizada pelo humor do grupo e aguçada pelo desconforto do filho que faz de tudo para minimizar o sofrimento dos últimos suspiros pai que, mesmo no desencantamento do câncer, mantém seu senso crítico e humor irônico, marca da sua personalidade desde o primeiro filme. O filho, um yuppie do mercado financeiro, é o oposto do pai, um esquerdista desiludido, mas na solidariedade do câncer deixa transparecer uma fonte de esperança no desapego material. Gastando rios de dólares, o super-filho suborna os dirigentes do hospital e do sindicato de funcionários para dar conforto ao pai, além de se envolver com polícia, traficante e uma viciada para conseguir heroína e diminuir as dores do pai. Se alguém ainda não viu, pare de ler por aqui ou perdoe-me contar o final, mas o auge do filme é a eutanásia preparada pelos amigos, nas margens do lago onde se desenrola o “Declínio”. Emocionante é pouco.
Dirigidos pelo canadense Denys Arcand, os dois filmes são falados em francês do Quebec, uma atração a mais para quem gosta ou estuda a língua. 
Compensa o exercício de assisti-los em seqüência.
 

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