por Homero Nunes
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Gaslight Poetry Cafe, 116 McDougal St., Greenwich Village, NYC, 1961. Bettman/CORBIS |
O filme dos irmãos Coen, 2013
Llewin Davis é um cantor fracassado na cena folk de Nova York nos anos 60. Um Bob Dylan que não deu certo. Um anti-herói da música, com um violão nas costas, um disco mal gravado que não vendeu e o suposto talento de quem se acha uma vítima das circunstâncias. Sem casa, sem grana, sem perspectiva, o sujeito sobrevive se encostando em qualquer um que lhe dirija a compaixão ou forçando a piedade dos outros, humilhado pelo próprio orgulho. Perambulando o desespero pelo Greenwich Village, em locações nostálgicas de Nova York, perseguindo gatos nas ruas do Soho, tocando canções por quaisquer vislumbres de dignidade. Tudo dá errado, não acerta uma. Para piorar tudo, está sempre cercado de mediocridades indulgentes, idiotas sem talento que lhe acenam sorrisos do alto do sucesso alcançado sem ser a metade do músico que ele é, ou pensa que é. Diria Flaubert que “nada é mais humilhante do que ver os medíocres vencerem naquilo em que fracassamos”. Dentro de Llewin Davis a humilhação também era essa, além de todas aquelas que o inverno lhe trouxe. Um fracassado sem sorte, canalha pelo orgulho, atropelado pelo destino, personagem das letras de músicas, ilustre qualquer um nas tramas de um bom cinema.
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Inside Llewin Davis, Irmãos Coen, 2013 |
Inside Dave Van Ronk, 1964
O roteiro foi inspirado no fracasso de um músico de verdade, em todos os aspectos: Dave Van Ronk. Figura conhecida no Village dos anos 60, boêmio, beberrão, talentoso até, mas um sujeito de má sorte. The Mayor, o prefeito da MacDougal St., como ficou conhecido em Downtown, conheceu todo mundo, tocou nos mesmos lugares, gravou discos e músicas com eles, era amigo de Bob Dylan e o viu subir como um cometa, estacionado que estava no mesmo pequeno bar que sujava as noites da Bleecker Street. Influenciou todos, era referência entre a turma, tocava muito, compunha e tinha uma voz muito boa, se comparada à de Dylan – todas as vozes eram melhores que a de Dylan. Até Joni Mitchell, no seu Big Yellow Taxi. Aliás, a loirinha era fã, tiete de Dave Van Ronk.
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Dave Van Ronk, Suze Rotolo e Bob Dylan no Village, 6th Ave. NYC, 1963 – foto por Jim Marshall |
Mas ele não decolou, não colou. Por mais que tentasse, por mais fiel ao conceito que fosse, era este o problema. O conceito, a ideia, a imagem, o tipo ideal incorporado: intelectual, politizado, inteligente, poeta, artista. Ele estava dentro demais do personagem, inside, tão dentro que não agradava. O Loser clássico da sociedade americana: não era popular. Um grande “L” flutuava sobre a cabeça. Aqueles blues mais negros (no ótimo sentido da expressão!) e o folk intelectualizado atingia poucos ouvidos. Loser!
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Inside Dave Van Ronk, LP 1964 Inside Llewin Davis, 2013 |
Subestimado, nos tempos mais duros chegou a embarcar na marinha mercante, por duas vezes. Como um suicídio com prorrogação e segunda chance ou o purgatório antes do inferno. De origem católica, irlandesa, Ronk nasceu no Brooklyn, periferia pobre, longe do charme atual de Williamsburg. A linha de prédios do outro lado, a ilha onde os sonhos acontecem, o mundo. Nos navios aprimorou a Harmônica, chorando a gaita nos ouvidos dos coitados dos caipiras. Inferno. De volta ao Village, o violão era a única ferramenta, mais importante para ele que as roupas do corpo. Quando conseguia comer e encher a cara já era o suficiente. Quando não, dava aulas de música para os garotos da universidade, NYU, nos bancos da Washington Square. Alunos faziam mais grana que ele tocando nos bares. Alguns fizeram sucesso.
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Coletânea lançada na carona do filme, 2013 |
Às vezes até levantava alguns vôos, juntava um público, as mocinhas cantavam seus refrãos… fogo de palha. Cada vez mais dentro do personagem, passou a aparecer em tudo que era confusão. Foi preso com os ativistas gays no início do movimento em Nova York, tocou contra o Pinochet, pelos direitos humanos, brigou muito, ficou “do contra”. Com o tempo os bares do Village cansaram. Aparecia e sumia. Mas foi engolido pela grande onda Rock N’ Roll que varreu o mundo nos anos 70. Caiu no ostracismo. Reapareceu muitas vezes, erguido por algum purista ou pelos fãs que o entendiam, ou pensavam entender. Afinal, ele tinha mesmo a má sorte do talento. Morreu em 2002, no Village.
Balada de um Homem Comum
Inside Llewin Davis, irmãos Coen, 2013
O filme passou voando pelos cinemas, nem sequer foi lembrado no Oscar, não gerou repercussão, não levou filas às exibições, enfim, um relativo fracasso nos moldes de Hollywood, um fracasso em tanto para o grande filme que é. Acabou levando o Gran Prix de Cannes, ou seja, o segundo prêmio, um prêmio menor que a “Palma de Ouro”. Para alguns, também um fracasso. Tem tudo para ser cult, mais um filme sobrevivente ao próprio fracasso. Dane-se: em geral, sucesso demais é sintoma de mau gosto (imagine Velozes e Furiosos). Contudo, o fracasso é relativo: Inside Llewin Davis é um grande filme, bonito, sutil, engraçado, triste, uma tragicomédia, um drama de erros sobre o fracasso alheio. Nas palavras de Nelson Rodrigues: “na vida, o importante é fracassar”.
por Homero Nunes
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O McSorley’s é o mais antigo bar em funcionamento em Manhattan, na 15 East 7th Street, East Village, NYC |
Colunas: Cinema e Musica