Walt Whitman e a poesia como invenção da vida

por Homero Nunes
Quer dizer que eu me contradigo?
Pois bem, então me contradigo.
Eu sou vasto,
Eu abrigo multidões.


“Esta manhã, antes do alvorecer, subi numa colina para admirar o céu povoado,
E disse à minha alma: Quando abarcarmos esses mundos e o conhecimento e o prazer que encerram, estaremos finalmente fartos e satisfeitos?
E minha alma disse: Não, uma vez alcançados esses mundos prosseguiremos no caminho.”

“Sou o poeta do Corpo e sou o poeta da Alma,
As aventuras do Céu estão em mim e as penas do Inferno estão em mim,
As primeiras enxerto e reforço em mim mesmo, as últimas traduzo para uma nova língua.”
Walt Whitman 1819-1892

Sobre Walt Whitman, Paulo Leminski escreveu:

“Toda revolução digna deste nome produz seu grande poeta. O poeta capta, nos tempos de comoção social, a tremenda energia vital liberada pelas grandes transformações coletivas, em seu momento agudo, revolucionário ou insurrecional. Assim, se Maiakoviski é o poeta da Revolução Russa, não é exagero dizer que Walt Whitman (1819-1892) é o poeta da Revolução Americana, ocorrida uma geração (1776) antes do seu nascimento. O fato de as revoluções apodrecerem, por mais altos que sejam seus ideais, pouco afeta a poesia dos que se exaltaram, por elas exaltados, em seu momento puro.”

A você
Seja você quem for,
receio que você esteja
trilhando as trilhas das ilusões:
receio que essas supostas realidades
venham a derreter-se de baixo dos seus pés
e suas mãos
mesmo agora os seus traços, alegrias,
conversa, casa, negócios, costumes,
maneiras, preocupações, loucuras, crimes,
dissipam-se a afastar-se de você,
e diante de mim surge
você em corpo e alma verdadeiros,
à parte das tarefas, do comércio, lojas,
trabalho, fazendas, roupas, a casa,
comprar, vender, comer, beber, sofrer, morrer.
Pensamentos
Da propriedade — como se alguém
apto a possuir coisas não pudesse
entrar na posse delas à vontade
e incorporá-las, a ele ou a ela;
da vista — pressupõe um olhar para trás,
atravessando o caos em formação
a imaginar a evolução, a plenitude, a vida
a que se chega na jornada agora
(eu porém vejo a estrada continuando,
e a jornada sempre a continuar);
do que uma vez faltava sobre a terra
e que a seu tempo foi propiciado
— e do que ainda está por ser propiciado,
pois tudo o que eu vejo e sei
creio ter seu sentido mais profundo
no que ainda está por ser propiciado.
Neste momento terno e pensativo
Neste momento terno e pensativo
Aqui sentado a sós
Sinto que existem noutras terras outros homens
Ternos e pensativos,
Sinto que posso dar uma espiada
Por cima e avistá-los
Na França, Espanha, Itália e Alemanha
Ou mais longe ainda
No Japão, China ou Rússia,
Falando outros dialetos,
E sinto que se me fosse possível
Conhecer esses homens
Eu poderia bem ligar-me a eles
Como acontece com homens de minha terra,
Ah e sei que poderíamos
Ser irmãos ou amantes
E que com eles eu estaria feliz.
Enquanto eu lia o livro
Enquanto eu lia o livro, a famosa biografia:
– Então é isso (eu me perguntava)
o que o autor chama
a vida de um homem?
E é assim que alguém,
quando morto e ausente eu estiver,
irá escrever sobre a minha vida?
(Como se alguém realmente soubesse
de minha vida um nada,
quando até eu, eu mesmo, tantas vezes
sinto que pouco sei ou nada sei
da verdadeira vida que é a minha:
somente uns poucos traços
apagados, uns dados espalhados
e uns desvios, que eu busco
para uso próprio, marcando o caminho
daqui afora.)

Compensa a edição bilíngue do livro Folhas de Relva
WHITMAN, Walt. Folhas de Relva. São Paulo: Iluminuras, 2005.

Epitáfio
Eu parto com o ar – sacudo minha neve branca ao sol que foge
Desfaço minha carne em redemoinhos de espuma,
Entrego-me ao pó para crescer nas ervas que amo;
Se queres ver-me novamente, procura-me sob teus pés.
Dificilmente saberás quem sou ou o que significo;
Não obstante serei para ti boa saúde
E filtrarei e comporei teu sangue.
E se não conseguires encontrar-me, não desanimes;
O que não está numa parte esta noutra
Em algum lugar estarei a tua espera.



Por ocasião da abolição da escravatura (1888) e da proclamação da República no Brasil (1889), Mr. Walt Whitman escreveu:


Uma saudação de natal
(De uma constelação do Norte para uma do Sul, 1889-1890)

Bem-vindo, irmão brasileiro – teu amplo lugar está pronto;
uma mão amorosa – um sorriso do norte – um pronto e caloroso aceno, cheio de sol!
(Deixa o futuro cuidar de si, onde revele seus problemas e empecilhos;
nossos, nossos o anseio presente, a meta democrática, a aceitação e a fé);
hoje, para ti se estende o nosso braço, se volta a nossa cabeça – para ti se volta o nosso olho
expectante,
tu livre de embaraços, tu, que és claro, refulgente! Tu, aprendendo bem
a lição verdadeira da luz de uma nação em pleno céu
(brilhando mais do que a Cruz, mais do que a Coroa),
as alturas de ser esplêndida humanidade!


No filme Sociedade dos Poetas Mortos, um poema de Walt Whitman se tornou o lema do professor poeta e dos alunos extasiados pela poesia:

Oh Captain! my Captain! our fearful trip is done;
The ship has weathered every rack, the prize we sought is won;
The port is near, the bells I hear, the people all exulting,
While follow eyes the steady keel, the vessel grim and daring:
But O heart! heart! heart!
O the bleeding drops of red,
Where on the deck my Captain lies,
Fallen cold and dead…





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