Manoel de Barros: “Poeta é um ente que lambe as palavras e depois se alucina”

por Homero Nunes

Manoel de Barros disse que comprou o ócio para ser vagabundo profissional, poeta. Era fazendeiro, talvez seja ainda, nos confins do Pantanal, mas é poeta sem lugar, sem confins que o circunscrevam. Um homem das palavras, das construções da linguagem, da semiótica que subverte o português. Um visionário que enxerga o invisível e o inventa, em um passado de criança, nas imagens fantásticas que projeta, “inutilezas” de um mundo revelado e inventado. Uma poesia linda, simples, sutil, às vezes surreal ou fora do verso, transversal: “é preciso transver o mundo”.

O olho vê, a lembrança revê, e a imaginação transvê.
É preciso transver o mundo.

Manoel de Barros (1916 –   )
Manoel de Barros por ele mesmo:
“Onde não estou, as palavras me acham.”
“Quem anda no trilho é trem de ferro, sou água que corre entre pedras: liberdade caça jeito.”
“Vou meio dementado e enxada às costas cavar no meu quintal vestígios dos meninos que fomos.”
“Meu fado é de não entender quase tudo.
Sobre o nada eu tenho profundidades.”
“Do lugar onde estou já fui embora.”
“Sou mais a palavra ao ponto de entulho.
Amo arrastar algumas no caco de vidro,
envergá-las pro chão, corrompê-las, –
até que padeçam de mim e me sujem de branco.”
“Tudo o que eu não invento é falso.”
“A maior riqueza do homem
é a sua incompletude.
Nesse ponto sou abastado.
Palavras que me aceitam como sou – eu não aceito.
Não aguento ser apenas um sujeito que abre portas,
que puxa válvulas, que olha o relógio,
que compra pão às 6 horas da tarde,
que vai lá fora, que aponta lápis,
que vê a uva etc. etc.
Perdoai
Mas eu preciso ser Outros.
Eu penso renovar o homem usando borboletas.”
“Toda vez que encontro uma parede
ela me entrega às suas lesmas.
Não sei se isso é uma repetição de mim ou das lesmas.
Não sei se isso é uma repetição das paredes ou de mim.
Estarei incluído nas lesmas ou nas paredes?
Parece que lesma só é uma divulgação de mim.
Penso que dentro de minha casca
não tem um bicho:
Tem um silêncio feroz.
Estico a timidez da minha lesma até gozar na pedra.”
Compensa o documentário:
“Só Dez Por Cento É Mentira: uma desbiografia de Manoel de Barros”
Brasil, 2008 – Dirigido por Pedro Cézar
Lindo documentário sobre a vida e a obra do poeta, com uma entrevista rara com o próprio, que sempre se recusou a dar entrevistas às câmeras.
“A palavra falada não tem rascunho”
 O título é poema de Manoel de Barros:
“Tenho uma confissão a fazer:
Noventa por cento do que escrevo é invenção,
Só dez por cento é mentira”.



No dia 25 de junho de 2013, aos 96 anos, o poeta foi empossado como imortal na Academia Sul-Mato-Grossense de Letras.

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