As Flores do Mal, 1857
Charles Baudelaire (1821 – 1867)
A modernidade em verso e estilo. Em As Flores do Mal, Baudelaire se contorce em contradição, entre o sublime e o horrendo, o belo e o estranho e o mais estranho ainda. No cenário da cidade, palco da modernidade, o movimento se espalha entre o vinho, a morte, o tédio, o oculto, o macabro, “tropeçando em palavras como nas calçadas, topando imagens…” Salvos pelo amor, destruídos em ódio, poemas em vertigem no “vasto céu que faz sonhar a eternidade”.
LXXVI
SPLEEN
Eu tenho mais recordações do que há em mil anos.
Uma cômoda imensa atulhada de planos,
Versos, cartas de amor, romances, escrituras,
Com grossos cachos de cabelo entre as faturas,
Guarda menos segredos que o meu coração.
É uma pirâmide, um fantástico porão,
E jazigo não há que mais mortos possua.
– Eu sou um cemitério odiado pela lua,
Onde, como remorsos, vermes atrevidos
Andam sempre a irritar meus mortos mais queridos.
Sou como um camarim onde há rosas fanadas,
Em meio a um turbilhão de modas já passadas,
Onde os tristes pasteis de um Boucher desbotado
Ainda aspiram o odor de um frasco destampado.
Nada iguala o arrastar-se dos trôpegos dias,
Quando, sob o rigor das brancas invernias,
O tédio, taciturno exílio da vontade,
Assume as proporções da própria eternidade.
– Doravante hás de ser, ó pobre e humano escombro!
Um granito açoitado por ondas de assombro,
A dormir nos confins de um Saara brumoso;
Uma esfinge que o mundo ignora, descuidoso,
Esquecida no mapa, e cujo áspero humor
Canta apenas aos raios do sol a se pôr.
Compensa a edição bilíngue, em francês e português:
BAUDELAIRE, Charles. As Flores do Mal. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985.
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