O amargo Ambrose Bierce em diabólicas tiradas de mau humor

por Isso Compensa
 
Crítico, sarcástico, amargo, Bitter Bierce, como ficou conhecido, traduziu em seu “Dicionário do Diabo” os verbetes do senso comum em tiradas diabolicamente cínicas. Subvertendo significados, distorcendo significações, Ambrose Bierce (1842 – 1913) alterou o sentido das coisas para criticar a hipocrisia do mundo, com aquele toque de mau humor, divertido e sagaz. Abaixo, uma amostra do amargor de Bitter Bierce:
 
 
Abandonado, sem favores para conceder. Desprovido de fortuna. Devotado a expressar a verdade e o senso comum.
Advogado, um especialista em desvios da lei.
Amor, uma insanidade temporária curada pelo casamento.
Amor-próprio, uma avaliação errônea.
Batizar, infligir cerimoniosamente um nome a uma criança indefesa.
Barulho, fedor no ouvido. Música não domesticada. Produto principal e sinal autenticador de civilização.
Beleza, poder pelo qual a mulher encanta o amante e apavora o marido.
Beladona, em Italiano, uma mulher bela; em Português, um veneno mortal. Um exemplo assinalável da semelhança entre estas duas línguas.
Cristão, aquele que  acredita  que  o Novo Testamento é um livro de inspiração divina, admiravelmente adequado às necessidades espirituais do seu vizinho. Aquele que segue os ensinamentos de Cristo, na exata medida em que não sejam incompatíveis com uma vida de pecado.
Culpado, o outro indivíduo.
Depressão, estado da mente produzido por uma piada de jornal ou pela contemplação do sucesso de outrem.
Distância, única coisa que os ricos estão dispostos a dar aos pobres que pedem socorro a eles.
Egoísta, uma pessoa com mau gosto, mais interessada em si própria do que em mim.
Esperança, desejo e expectativa numa só embalagem, mas sem desconto.
Eu, a pessoa mais importante do universo.
 Ambrose Bierce (1842 – 1914)
Fanático, alguém que sustenta de maneira diligente e intransigente uma opinião diferente da nossa.
Felicidade, agradável sensação que se produz ao contemplar a miséria alheia.
Futuro, período da vida em que nossos negócios prosperam, nossos amigos são verdadeiros e nossa felicidade é assegurada.
Guilhotina, um aparelho que faz com que um francês dê de ombros por um bom motivo.
Hábito, um grilhão para o homem livre.
Humildade, paciência necessária para se planejar uma vingança que valha a apena.
Idiota, membro de uma vasta e poderosa tribo, cuja influência nos assuntos humanos tem sido sempre dominante. A atividade do Idiota não se limita a nenhum campo específico de pensamento ou ação, mas “permeia e regula o todo”. Sempre é dono da última palavra; suas decisões são inapeláveis. Estabelece as modas de opinião e gosto, dita as limitações da linguagem e fixa as regras de conduta.
Ignorante, pessoa desprovida de certos conhecimentos que você possui, e conhecedora de outras coisas que você ignora.
Ilustre, pessoa em situação ideal para atraír maldade alheia, inveja e difamação.
Impunidade, riqueza.
Justiça, uma mercadoria que o Estado vende ao cidadão numa condição mais ou menos adulterada como recompensa por sua fidelidade, seus impostos e seus serviços prestados.
Ladrão, um comerciante sincero.
Linguagem, é a música com a qual encantamos a serpente que guarda o tesouro alheio
Maioria, característica que distingue um crime de uma lei.
Mentira, substituto pobre da verdade, mas o único que se descobriu até agora.
Mentiroso, sujeito viciado em retórica.
Meu, tudo aquilo que pertence a mim, se eu puder pegar e não largar.
Modéstia, reconhecer a própria perfeição, mas sem dizer isso a ninguém.
Monógamo, polígamo reprimido.
Notoriedade, tipo mais acessível e aceitável de reconhecimento da mediocridade.
Orar, pedir que as leis do universo sejam anuladas exclusivamente em benefício de um único peticionário notoriamente não-confiável.
Paciência, forma menor do desespero, disfarçada de virtude.
Pagão, criatura inculta que incorre na loucura de adorar o que se pode ver e sentir.
Política, condução dos negócios públicos para vantagens privadas
Revólver, um argumento usado por maníacos temporários.
Virtudes, certas abstenções.
Sozinho, em má companhia.
Suspeitar, atribuir a outrem delitos que você mesmo não foi levado a cometer porque não teve oportunidade.
Telefone, uma invenção do demônio que abole algumas das vantagens proporcionadas pelo fato de se manter à distância uma pessoa desagradável.
 
 
Compensa:
BIERCE, Ambrose. Dicionário do Diabo.
 

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