Saudades de Suassuna

por Rodrigo Morais Leite

Ariano Suassuna, Casa Forte, Recife, 2005. Foto: Rodrigo Lobo

Ariano Suassuna tornou-se nacionalmente conhecido em 1957, quando o Teatro Adolescente do Recife, um grupo amador de Pernambuco, se apresentou em um festival de teatro no Rio de Janeiro com a peça O Auto da Compadecida. Antes disso, vale destacar, ele já possuía uma atividade artística intensa em sua terra adotiva, integrando o Teatro do Estudante de Pernambuco (TEP) e produzindo outras obras valorosas no campo da poesia e da dramaturgia.

Contudo, não há dúvida, foi o sucesso retumbante obtido na capital da República que o consagrou como um dos principais dramaturgos do teatro brasileiro moderno, abrindo-lhe as portas para que, a partir de então, algumas das principais companhias do sudeste demonstrassem interesse na montagem de suas peças.  Em relação à Compadecida, ela se tornaria, com o passar dos anos, simplesmente a mais popular obra do teatro nacional, das pouquíssimas que qualquer um reconhece de imediato.

Posicionando-se quase sempre como um simpático xenófobo, Suassuna era avesso em especial às culturas anglo-saxã e germânica, ambas, curiosamente, de matrizes protestantes. Implicância de quem teve formação calvinista e que, posteriormente, se converteu ao catolicismo? Talvez. O certo é que o autor se notabilizou como um intransigente defensor da cultura popular, de que dão mostras sua participação no Movimento de Cultura Popular (MCP), na década de 1960, e no Movimento Armorial, na de 70.

Apesar de sua produção teatral estar ligada a determinadas referências próprias desse tipo de expressão cultural, como o circo, a literatura de cordel e o teatro de mamulengo, nela são perceptíveis também algumas influências eruditas estrangeiras, dentre as quais se destacam Gil Vicente, Calderón de La Barca, Plauto, Molière e, por incrível que pareça, Shakespeare. Em certas circunstâncias, como em O Santo e a Porca (1957), a influência, de tão flagrante, teria beirado o pastiche, no caso, das comédias A Aulularia, de Plauto, e O Avarento, de Molière. 

Sem querer restringir a obra de Suassuna ao teatro, outras peças de sua lavra que merecem uma citação nominal são: Auto de João da Cruz (1950), O Arco Desolado (1954), A Pena e a Lei (1959) e a Farsa da Boa Preguiça (1960). Analisadas em conjunto, segundo o crítico Sábato Magaldi, elas comporiam um quadro coerente e honesto na criação de um verdadeiro “teatro popular católico” entre nós.

Ariano e Zélia Suassuna

Por conta dessa vertente de sua produção literária, Suassuna entrou para um panteão relativamente restrito, formado por Nelson Rodrigues, Jorge Andrade, Oduvaldo Vianna Filho, Gianfrancesco Guarnieri, Plínio Marcos e Dias Gomes, alguns dos responsáveis por concretizar, na seara dramatúrgica, certas ideias desencadeadas na quase centenária Semana de Arte Moderna. Ainda que, no caso do autor paraibano, provavelmente seu modernismo se adequasse mais àquele proposto por Gilberto Freyre em obras como O Manifesto Regionalista de 1926, contrário ao suposto cosmopolitismo dos paulistas.

Saindo da seara teatral, impossível não lembrar de A Pedra do Reino (1971), relançado agora pela editora Nova Fronteira em versão definitiva, lembrando que o autor, ao longo dos anos, efetuou modificações na obra. A partir desse volumoso romance foram feitas adaptações extraordinárias para a televisão e, também, para o teatro, realizadas respectivamente por Luiz Fernando Carvalho (2007) e Antunes Filho (2006).

Não bastasse ter se destacado em diferentes gêneros literários, Ariano Suassuna foi um conferencista de mão-cheia, conforme demonstram as inúmeras aulas-espetáculo que ministrou nos últimos anos de sua carreira, muitas delas, para nossa sorte, totalmente acessíveis pela internet. Por mostrarem o carismático artista em toda a sua singularidade, a se revelar, mais do que um “simples” escritor, uma verdadeira personalidade literária, assisti-las é sempre um prazer, garantia de ótimas risadas mesmo quando já se sabe de cor e salteado suas impagáveis tiradas.

Suassuna: “Felicidade é torcer pelo Sport”. Foto: Aldo Carneiro

Poucos artistas e intelectuais fazem tanta falta como ele.  

 

 

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