Terminada a bem-sucedida temporada de O Rei da Vela, obra-manifesto do Teatro Oficina estreada em São Paulo a 29 de setembro de 1967, a histórica companhia da rua Jaceguai recebeu convites para levar seu espetáculo à Europa no ano seguinte. Após representar o teatro brasileiro na IV Rassegna Internazionale dei Teatri Stabili de Florença e no 1er. Festival Internacional des Jeunes Compagnies de Nancy, a excursão terminou com algumas apresentações em Paris, cuja estreia sucedeu-se em 10 de maio de 1968, precisamente a famosa “noite das barricadas” no Quartier Latin.
Pouco antes, conforme relata Aimar Labaki em seu livro sobre o diretor da montagem (José Celso Martinez Corrêa), quando explodiram os primeiros protestos nas ruas da capital francesa, “na sacadinha de seu quarto no Hôtel Saint-Séverin, Ítala Nandi, Renato Borghi e Zé Celso viram uma pequena multidão, à frente uma equipe de filmagem liderada por Jean-Luc Godard, câmara em punho, se aproximar de uma fila de policiais. Estes, percebendo que a multidão não iria parar, partiram para o ataque, cassetetes em riste. Ítala berrou, avisando os estudantes, os jornalistas, a equipe. Renato e Zé Celso berraram juntos. Confusão. Godard perdeu os já famosos óculos escuros, pisoteados no chão, e foi empurrado para dentro de um camburão. Um policial mirou a sacada e lançou uma bomba de cera (do mesmo tipo usado pelos americanos no Vietnã). Os três se machucaram. Zé Celso mais que todos: queimaduras de primeiro grau na cabeça, teve os olhos vendados”. Em virtude das queimaduras, acrescente-se, Zé Celso compareceu à estreia parisiense sem poder enxergar nada (ou quase nada) do que acontecia no palco do Théâtre de la Communne d’Auberviller.
Apesar de O Rei da Vela ter causado certo escândalo na Itália, obtendo críticas extremamente negativas, sua repercussão em Nancy e Paris revelou-se alvissareira, a ponto de ensejar uma apreciação entusiástica de Bernard Dort, talvez o mais expressivo crítico teatral francês à época daquele “ano que não terminou”. Para o custeamento dessa turnê europeia o Teatro Oficina não contou com nenhuma ajuda estatal, visto que ela lhe foi recusada pelo então chefe da Divisão Cultural do Itamarati Donatello Grieco, alegando que “o espetáculo era indigno de representar nosso país, pela pornografia e exagero em pintar a realidade brasileira”.
Para viabilizar o translado de O Rei da Vela, os integrantes do Teatro Oficina se valeram de uma série de artifícios, tais como a promoção de um Show Oficina no Rio de Janeiro (que contou com a participação voluntária de diversos artistas) e uma pequena excursão com dois dos principais carros-chefes da companhia: Pequenos Burgueses e Quatro num Quarto. Mesmo assim, segundo informa Fernando Peixoto em Teatro Oficina (1958-1982): Trajetória de uma Rebeldia Cultural, a dívida contraída com a excursão europeia demorou bastante tempo para ser paga, fator que impediu a trupe de atender a convites vindos de cidades como Praga, Berlim e Londres.
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As fotos que cobrem esta edição são do fotojornalista Jean-Pierre Rey, que melhor registrou os acontecimentos de maio de 68 em uma célebre série de fotografias, tiradas de dentro do furacão.
A fotografia A Marianne de Maio de 68 foi a mais famosa imagem de Jean-Pierre Rey e correu o Mundo na época. Sobre a fotografia, você por ler aqui:
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