True Crime: o sucesso do gênero em Elize Matsunaga e O caso Evandro

por Viviane Loyola

Plataformas de streaming têm apostado no gênero “true crime” (crimes de verdade) há bastante tempo. O gênero frequentemente se destaca pelo baixo custo se comparado às ficções por não pagar cachê aos atores nem se preocupar com cenários e figurinos. Além disso, tem um público cativo que garante audiência e produz textões nas redes sociais. Os crimes em geral são muito absurdos, instigantes, com mistérios que se revelam entre um episódio e outro. A mistura entre suspense policial, drama de tribunal e história pessoal atrai o interesse de muita gente.

Mais recentemente, as plataformas têm produzido documentários de crimes de repercussão nacional, casos ocorridos no Brasil, competindo com os americanos que já têm know-how na produção desse tipo de programa. Após o sucesso de O Caso Evandro no Globoplay, chega a vez da série documental sobre Elize Matsunaga na Netflix.  O homicídio cometido por Elize em 2012, um dos mais famosos do país, deu origem ao documentário com quatro episódios, cerca de 50 minutos cada, que a Netflix lançou mundialmente em oito de julho. “Elize Matsunaga – Era uma Vez um Crime” aborda o passado da criminosa e consegue o que nenhum veículo de imprensa conseguiu: ouvir a versão de Elize sobre o assassinato de Marcos Matsunaga, seu marido à época. Até mesmo um abuso sofrido por Elize na adolescência vem à tona no documentário. Esse foco na vida pessoal é uma crítica ao trabalho. Muitos consideram que, ao humanizar a assassina, mesma estratégia usada pela defesa no julgamento, o documentário relativiza o fato principal, o assassinato e esquartejamento de Marcos Matsunaga. A família da vítima alega que o documentário revive as dores do crime e que, de um modo ou outro, expõe a filha criança do casal, ainda que sua imagem obviamente não apareça. Essa sempre será uma questão ética desde tipo documentário: o fato de que há famílias envolvidas que são expostas e relembram todo drama vivido, nem sempre tendo dado consentimento para tal.

Polêmicas à parte, não perdi em nenhum momento a noção de que se tratava de um assassinato cruel. Não tive a impressão de que o documentário toma partido da assassina. O esforço jornalístico é notável e muitos envolvidos são ouvidos, tanto os que sustentam a tese de um assassinato premeditado e motivado por dinheiro quanto os que abordam a tese da mulher traída e sofrida que agiu sob forte emoção. Tivemos acesso a aspetos intrigantes da vida do casal e que, sem dúvidas, ajudam a entender o contexto dos fatos. Saber como eram aficcionados por armas e caça, o que eu desconhecia, é uma variável interessante pelas associações que se estabelecem com o crime. Viviam em um ambiente violento, exótico. Cabeças de animais estavam expostas na sala de casa tais como troféus; um arsenal de armas pesadas foi encontrado em um dos quartos. Aliás, o momento em que Elize fala sobre o ritual de matar e desmembrar animais é uma das partes mais incômodas do documentário. Quase não tive estômago para assistir.

O mérito do documentário, além de ouvir Elize pela primeira vez, é justamente explorar meticulosamente detalhes do inquérito, a dinâmica entre acusação e defesa, a vida trágica de Elize na pequena cidade do interior, o passado na prostituição, dentre outros elementos que dão caldo à narrativa a apontam para uma vida nada comum. Imagens de arquivo e entrevistas recentes com parentes de Elize, amigos de Marcos e advogados de defesa e acusação se sucedem de modo alternado, mantendo o interesse do público. A montagem é um mérito do documentário. É ainda bastante curioso o depoimento do médico legista do caso, um sujeito com ar sombrio, que dispara: “as pessoas são mais bonitas por dentro do que fora” – fazendo alusão ao seu trabalho de analisar os pedaços do corpo.   

O principal problema do ponto de vista do espectador no documentário “Elize Matsunaga: Era uma vez um crime” é que ao tentar trazer novidades pouca novidade se apresenta. Muitos conhecem e se lembram do caso. Todos sabemos de quem foi a autoria do crime. Não temos exatamente um mistério a ser desvendado. Temos um duelo de narrativas e versões e por vezes os testemunhos se mostram repetitivos no intuito de persuadir de uma versão ou outra. Senti falta de saber um pouco mais sobre a vida de Elize na prisão ao longo do tempo. Senti falta de ouvir familiares de Marcos Matsunaga, mas esses de modo compreensível não quiseram participar.        

Já O Caso Evandro, do Globoplay. no ar desde 13 de maio, documentário mais longo, com um número bem maior de informações e depoimentos, reconstitui o sequestro e assassinato do menino Evandro em 1992, no interior do Paraná, e se diferencia por apresentar novidades ao caso num esforço notável de investigação do professor e jornalista Ivan Mizanzuk. Inicialmente ele criou, em 2018, um podcast sobre o tema que deu origem à série documental. Desde a estreia, o documentário está entre as dez atrações mais vistas do Globoplay. Em paralelo, tornou-se um dos assuntos mais comentados no Twitter.

O documentário “O Caso Evandro” é superior A “Elize Matsunaga: Era uma vez um crime”. Talvez tivesse gostado assistir primeiro ao documentário de Elize. Depois de assistir “O Caso Evandro”, um dos melhores produtos já feitos pelo Globoplay, outros documentários “True Crime” se mostram menos atraentes. Em primeiro lugar, o crime parece ainda sem solução, deixando o suspense vivo. E, principalmente, o documentário “O Caso Evandro” diz muito mais sobre o Brasil, abordando a truculência policial, erros do judiciário, preconceitos com religiões afro, dentre outros aspectos. Coloca o dedo na ferida ao falar e denunciar tortura. O documentário de Elize é focado na vida de uma mulher. Já “O Caso Evandro” fala sobre o Brasil.       

por Viviane Loyola

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