“- Por que nos tratam assim?
– De que outra maneira nos tratariam?”
“Olhos que condenam”, série da Netflix, é chocante. O enredo gira em torno de 5 garotos negros (entre 14 e 16 anos) condenados injustamente pelo estupro de uma mulher branca.
Embora alguns delegados e a própria promotora tenham se manifestado nos últimos meses, dizendo que a série não é fiel aos fatos, há algo inegável: a produção de Ava DuVernay escancara as entranhas de um judiciário racista e, mais que isso, de uma sociedade racista.
Não havia provas materiais, não havia compatibilidade de DNA. A promotoria se pautou pelos depoimentos dos jovens que, notadamente, foram coagidos, torturados física e psicologicamente, e obrigados a confessar um crime que não cometeram. Em 2002, o verdadeiro estuprador confessou o crime e a cidade de Nova Iorque indenizou os homens (já não tão jovens) em 41 milhões de dólares.
Gostaria de chamar a atenção para dois pontos específicos.
O primeiro: à época, 1989, Donald Trump era um excêntrico bilionário, investidor imobiliário, mas muito influente. E a série explora a conduta deste senhor diante do caso: Trump disse que já era hora do retorno da pena de morte; que era vantajoso ser negro nos EUA com leis que tanto os beneficiava. Ele, inclusive, pagou do próprio bolso, anúncios de página inteira nos principais jornais da cidade, defendendo suas ideias racistas e autoritárias.
O segundo ponto: Até 2002, quando houve a confissão do verdadeiro estuprador, a promotora Linda Fairstein era vista como a heroína que combateu com pulso firme a criminalidade. Desde então (e agora com a série as críticas se acentuaram), Linda está desesperada e receia, dentre outras coisas, a perda de contratos editorias (ela é autora de romances policiais de muito sucesso).
Sim, amigas e amigos, o Brasil atual tem muito a aprender com “Olhos que condenam”
…
Matheus Arcaro é mestrando em filosofia contemporânea pela Unicamp. Pós-graduado em História da Arte. Graduado em Filosofia e também em Comunicação Social. É professor, artista plástico, palestrante e escritor, autor do romance O lado imóvel do tempo (Ed. Patuá, 2016) e dos livros de contos Violeta velha e outras flores (Ed. Patuá, 2014) e Amortalha (Ed. Patuá, 2017).
Instagram @issocompensa
Leia sobre outra série que compensa muito:
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