Borgen: para quem aprecia boas séries políticas

por Viviane Loyola

O escape às obviedades, as séries mais vistas da semana, o lançamento americano mais badalado, tantas vezes me levou a descobrir obras-primas no streaming. Posso assistir e gostar sem problemas dos blockbusters, mas recomendo esse exercício de se arriscar e interagir com o menos padrão.

Foi assim que me deparei com as séries nórdicas e passei a me divertir com o fato de que sem legenda não consigo entender absolutamente nada do que falam. O estranhamento dos idiomas não foi a única novidade – os cenários frios e sombrios do inverno rigoroso chamam atenção, personagens tantas vezes com um casaco leve em meio ao gelo enquanto a gente usa sobretudo no outono brasileiro. São hábitos muito diferentes do nosso universo, a começar pela bicicleta na garagem substituindo o automóvel e a ausência de empregados nas casas dos ricos. Cada um que pedale e se responsabilize por suas tarefas domésticas. O meio ambiente agradece.        

Desse pacote nórdico recomendo a série dinamarquesa Borgen, em cartaz na Netflix, em sua terceira temporada. Cheguei até ela por essa curiosidade de acessar uma cultura distante, de conhecer um pouco da Dinamarca, e acabei viciada pelos atores e pelo roteiro. Para quem é fã de dramas políticos, vai encontrar um dos melhores. Borgen significa castelo, apelido dado pelos dinamarqueses ao governo central, cuja sede está no Palácio Christenborg, em Copenhague. A série nos mostra os bastidores do poder no país ao acompanhar a trajetória de Birgitte Nyborg, personagem central, fictícia líder de um partido dinamarquês, que ocupa o cargo de Primeira Ministra após uma eleição conturbada.

As rixas entre os partidos de esquerda e da direita dinamarquesa, o papel dos moderados, e os deslizes éticos de políticos e da imprensa local são abordados em diversos episódios. Quando isso acontece fica evidente como a deslealdade partidária e a falta de transparência são execrados pela opinião pública e pelo próprio mundo político. Um mimo comprado para a esposa com um cartão corporativo é capaz de destruir uma carreira política bem-sucedida. Dilemas morais se sobressaem. Não é exatamente assim no Brasil.  

Além de mostrar a relação entre políticos e jornalistas e entre os partidos, e belas imagens de Copenhague, a série nos ajuda a entender melhor o parlamentarismo europeu. É uma aula sobre um tema tão distante de nossa tradição presidencialista. É também uma oportunidade de entrar em contato com discussões que afetam ao mundo todo, como a imigração e o acolhimento das diferenças. A série expõe a divisão de opiniões no interior da sociedade dinamarquesa, a xenofobia, e as dificuldades degovernança no cenário atual.

Em meio a tudo isso, Borgen ainda consegue nos oferecer personagens bem construídos, dramas pessoais, diálogos importantes, fugindo à idealização maniqueísta com protagonistas que erram e acertam o tempo todo. Conciliar a vida pessoal, casamento e filhos, e a carreira política se mostra um desafio para a Primeira Ministra. Ter uma mulher como personagem principal, num papel político, refletindo acerca dos seus múltiplos afazeres, perdas e ganhos, dá a série um viés feminista. Entre os debates políticos, tentando se manter no cargo diante de uma artilharia pesada, a Primeira Ministra lida com a criação dos filhos adolescentes e discute com o marido sobre arelação do casal. Esse lado familiar, inclusive abordando a dificuldade do marido em lidar com a carreira da esposa, faz com que nos apeguemos mais aos personagens e possamos até mesmo entender melhor suas posturas.

A série, que teve suas três temporadas gravadas entre 2010 e 2013, interrompida desde então, voltará em uma quarta temporada programada para estrear na Netflix em 2022. Quando soube dessa informação tive duas reações: a surpresa de perceber como a série permanece atual em 2021, abordando temas como fake news; e a curiosidade louca pela quarta temporada, para saber como estarão atores e personagens quase 10 anos depois do último episódio exibido. Isso não é comum. Mais um motivo para assistir à série. Para fugir à mesmice, veja Borgen.                                          

Séries que compensam, por Viviane Loyola

Também compensa:


Sobre os autores

Acompanhe