Nona sinfonia: a genialidade, a surdez e a misantropia de Beethoven

por Homero Nunes
Gramophone,
por Wilson Zaidan
Ludwig Van Beethoven 1770 – 1827
No dia 07 de março de 1824, no teatro de Kärthnerthor, situado em Viena, mal sabia a platéia que estava para presenciar – pela primeira vez – a audição daquilo que seria a maior obra-prima da música: A Nona Sinfonia de Beethoven. Considerada o auge da composição sinfônica, a nona sinfonia chega ao público trazendo consigo um aspecto diferente das demais sinfonias já compostas (famosas pelas mãos de Haydn e Mozart).

A Sinfonia – formato musical para orquestra – constituída por três ou quatro grandes divisões chamadas “movimentos” excluía por definição vozes humanas.  No entanto, Beethoven quebra esta barreira, realizando seu antigo desejo de “musicalizar”, verso por verso, a poesia An Die Freude (Ode à Alegria), do poeta alemão Friederich Schiller, executando-a em seu derradeiro movimento da obra. Além disso, transformou a sinfonia: o que era mero entretenimento polido virou uma expressão extraordinária da mente e sentimentos. A obra possui um caráter heróico: polifonias barrocas (trazidas à tona novamente) mescladas com as estruturas do classicismo. Melodias parecem brigar entre si, com um registro de graves (violas, violoncelos e baixos) que assumem vozes dialogando com as demais cordas. Pesado, heróico, escuro.

 Retrato de Beethoven, por Joseph Karl Stieler, 1820

Contudo, preso em seu silêncio criativo, Beethoven não pode ouvir uma nota sequer da estréia de sua obra. Limitado por sua surdez, ao final da execução da obra no teatro de Kärthnerthor, foi preciso que uma cantora do coral fosse até o compositor, pegasse sua mão e o virasse para o público, para que o compositor notasse que estava sendo aplaudido de pé.

A deficiência auditiva de Beethoven era mais um problema para sua vida social do que para sua vida musical. Ao ser diagnosticada a “congestão dos centros auditivos internos”, aos seus 26 anos, Beethoven começa sua marcha problemática e desesperadora: uma decadência física, psíquica e moral. O compositor passa a evitar encontros sociais por acreditar ser impossível dizer às pessoas: “eu sou surdo”. Recluso, a depressão toma conta de sua mente que é orbitada por pensamentos suicidas, com acessos de fúria e complexo de perseguição.  Segundo relatos de contemporâneos, Beethoven, ao fim de sua vida e dominado pela loucura, andava mal vestido, sujo, cabelos bagunçados e desleixados, o rosto marcado pela varíola e cortes de lâmina de barbear. Apesar de sua glória Beethoven nunca conseguiu estabelecer um relacionamento amoroso. Viveu solteiro e solitário.  Somente aos 30 anos confessou sua deficiência auditiva (surdez progressiva) ao seu primeiro amigo de infância Fanz Wegeler, em uma carta: “[…] minha saúde abalada, colocou um irritante obstáculo em meus planos, porquanto a minha audição está ficando cada vez mais fraca nestes últimos três anos […] Devo confessar que levo uma vida deplorável […]”. Há aqueles que acreditam que graças à deficiência gradativa, fracassos amorosos, problemas de relacionamento e financeiros, a genialidade do compositor se aflorou.  O escritor alemão Johann Wolfgang Von Goethe (1749-1832), após visitar Beethoven em um resort tcheco em 1812, alegou “Seu talento impressionou-me, mas infelizmente tem uma personalidade indomesticada. Não está de todo errado ao considerar o mundo repulsivo, mas sem dúvida não faz esforços para torná-lo mais agradável para ele ou para outros”.

 Beethoven, por Michel Katzaroff, 1931

Mesmo anos depois de sua morte, A Nona Sinfonia ainda tem apelos grandiosos e políticos: Em 1989, foi transmitida para mais de 20 países, pela comemoração da queda do muro de Berilm. A orquestra que a executou foi uma miscelânea de músicos da orquestra da Alemanha Ocidental com a Alemanha Oriental. Durante a execução da obra, o maestro sutilmente substitui a palavra Freude (Alegria) por Freiheit (liberdade) de acordo com o contexto no qual era executada.

A sinfonia também foi adotada como hino pelo Conselho Europeu (1972), pela Comunidade Europeia (1985) e pela União Européia (1993). Parece que o verso “alle Menschen werden Brüder” (todos os homens serão irmãos) inspirou a fraternidade e valores de solidariedade.

Em contrapartida, a melodia também foi usada na Alemanha Nazista e durante o regime predominantemente branco na Rodésia (1974 – atual Zimbabwe). Não é de se espantar que o cineasta Stanley Kubrick, em Laranja Mecânica (1971) apanhasse a melodia para servir de “peça preferida” de Alex DeLarge (Malcolm McDowell), um personagem sádico e violento e inescrupuloso.

Quarto de Alex DeLarge com poster de Beethoven em Laranja Mecânica de Stanley Kubrick
Mais da coluna Gramophone, por W. Zaidan em: Isso Compensa Música


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