Hegel, o mais ilegível filósofo, traduzido em porretadas alheias

por Homero Nunes
“Só um homem me entendeu
e mesmo ele não conseguiu”
Hegel


Hegel foi traduzido para a compreensão humana por cérebros pesados como os de Marx, Feuerbach, Nietzsche, Heidegger, Popper etc., mas todos em antítese, desferindo porretadas dolorosas em seu pensamento. Marx, por exemplo, disse que Hegel pensava de cabeça para baixo, de ponta-cabeça, sem perceber que “não é a consciência que determina a vida, mas a vida que determina a consciência”. Schopenhauer foi seu inimigo pessoal, rival na filosofia e na docência; chegou lecionar no mesmo horário das aulas de Hegel na universidade de Berlin, numa espécie de duelo intelectual, mas viu suas salas vazias ao passo que as de Hegel ficavam lotadas. Teve que engolir o fracasso e suportar o sucesso do outro, mordido de raiva. Mas não mediu palavras em seu artigos para execrar seu desafeto. Nietzsche lamentava a influência hegeliana na filosofia, Heidegger defendia um pensamento oposto ao de Hegel, Popper o acusava de disseminar uma filosofia corrompida por palavras difíceis e pensamento mágico. Foram elas, as porretadas alheias, que permitiram que os simples mortais compreendessem parte, pequena, do emaranhado prolixo e obscuro no qual o sujeito enfiou a filosofia. A dialética – didaticamente simplificada na versão tese, antítese, síntese – é um conceito que Hegel conseguiu imprimir no consciente coletivo, por exemplo, com a ajuda dos seus contestadores. Totalmente dentro da sua perspectiva, uma vez que a síntese brota da contradição. Abaixo, porretadas filosóficas na enorme cabeça de Hegel:

“Hegel, destruidor de papel, de tempo e de mentes!”
Schopenhauer
“Hegel, um charlatão banal, vácuo, repugnante e ignorante, que mistura insanidade e disparates com uma arrogância sem precedentes, o que os seus partidários transmitem como se tratasse de sabedoria imortal tida como verdade por idiotas… condenou à ruína toda uma geração de intelectuais.”
Schopenhauer
“Enquanto outros sofistas, charlatães e obscurantistas falsificam e arruínam apenas o conhecimento, Hegel destruiu até mesmo o órgão do conhecimento, a própria inteligência.”
Schopenhauer
“Não, nada restará de Hegel, dado que ele não pensou, antes se limitou a fazer malabarismos com as palavras. O que é que ele logrou alcançar realmente com todo o seu pedantesco e declamatório aparelho? Nada mais conseguiu do que substituir o senso comum por sabe-se lá que culto seco e ininteligível de um Grande Pã progressivo que se agita vivamente como um diabo debaixo da lógica desgastada do ser, do não-ser e do porvir, o qual para nada mais serve, no percurso cansativo e estéril para o qual o seu inventor o remete, do que para imitar os esquilos ou para fazer sonhar os condutores das carruagens puxadas por cavalos.”
Schopenhauer
“Creio que neste século não houve oscilações nem viragens perigosas que a influência prodigiosa, sensível ainda hoje, desta filosofia, o hegelianismo, não tenha tornado mais perigosas. Na verdade, é um pensamento triste, paralisante considerarmo-nos os rebentos tardios de todos os tempos, mas o que é terrível e destruidor é que esta filosofia, por uma impudente reviravolta, tenha divinizado o que chegou tarde, como se ele fosse o sentido e o fim de toda a evolução anterior.”
Nietzsche
“Estes reles mestres-escola [os hegelianos] identificaram-se com a história universal. Este modo de pensar habituou os alemães a falar do processo universal e a justificar o seu próprio tempo como o resultado necessário desse processo; como consequência, instalou a história no lugar de todas as outras forças espirituais, arte e religião, como senhora exclusiva, na medida em que ela é a ideia que se realiza por si, a dialética dos gênios nacionais e o autêntico Juízo Final.”
Nietzsche
“Mas quando se aprende a curvar a espinha e a baixar a cabeça diante do poder da história, acaba-se por aprovar com a cabeça, como um bonzo chinês, qualquer poder, quer seja do governo ou da opinião pública ou da maioria do número, e por agitar os membros em obediência estrita a quem tem nas mãos os fios. Se qualquer sucesso é devido a uma necessidade racional, se qualquer acontecimento é uma vitória da lógica ou da Ideia, então ponhamo-nos de joelhos perante toda a espécie de sucessos.’’
Nietzsche
“…um estilo apropriadamente elevado e intimidante, incompreensível e no entanto sugestivo. O equivalente verbal de trompetes.”
Ernest Gellner
“A filosofia de Hegel começou uma era nova controlada pela magia das palavras grandes e o poder irresistível do jargão.”
Popper
“As figuras da consciência não se sucedem umas às outras de maneira que por último apareça a figura-meta, senão que já a primeira é como tal uma figura do absoluto: o que aparece como primeiro grau do aparecer da essência do absoluto é determinado pelo absoluto.”
Heidegger
“Em Hegel, a dialética está de cabeça para baixo. É preciso invertê-la para descobrir na ganga mística o nódulo racional.”
Marx

 Georg Wilhelm Friedrich Hegel 1770 – 1831
Retrato de Hegel pintado por Schlesinger em 1831



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