Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band

por Homero Nunes

Uma descoberta arqueológica mudaria a concepção da evolução humana nos anos 70: Lucy, uma fêmea do Australopithecus afarensis, foi escavada no deserto de Afar, na Etiópia. O antropólogo Donald Johanson, adepto do Rock n’ Roll, nomeou a ossada pela música que tocava sem parar no acampamento, no gravador portátil de fitas K7, Lucy In the Sky with Diamonds.

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Fóssil soterrado de 3,2 milhões de anos, Lucy renasceu para nós, para a modernidade, ao som da polêmica e lisérgica música do álbum Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band, dos Beatles, lançado em 1967. Com as iniciais do ácido alucinógeno LSD e letra viajante de imaginação multicor, a música embalaria décadas de outras descobertas juvenis e festas em acampamentos mundo afora. Estados alterados de consciência, pupilas dilatadas, sorrisos descontrolados e bochechas doloridas de cantar o fácil refrão grudento, repetitivo e genial da música.

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Para abafar o burburinho e fingir que não tinha nada com isso, John Lennon foi o primeiro a desmentir a relação com o LSD, dizendo ter se inspirado num desenho infantil de uma amiguinha de escola do filhão. Nunca adiantou. Até hoje a relação com o ácido lisérgico é cantada por quem gosta e por quem condena, chegando a ser proibida no rádio por uns tempos. Lennon continuou negando até a morte, o povo duvidando até hoje, afinal, os Beatles (e todo mundo do Rock) tomavam muita coisa na época.

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O disco é todo conceitual, viajoso mesmo, desde a capa com personagens variados que incluíam Freud, Marx, Burroughs, Dylan, Huxley e o quarteto Paul, John, George e Ringo em dois visuais distintos (veja relação completa ao final). Uma espécie de funeral de todos, fim da história, concebida no estilo pop art de Peter Blake. Certamente uma das capas mais sensacionais de todos os tempos. Copiada e reproduzida aos montes, já ganhou uma versão crítica no ano seguinte do lançamento, 1968, com a banda de Frank Zappa, The Mothers of Invention, assumindo o pastiche e dizendo que We’re Only in It for the Money, “nós só estamos nisso pelo dinheiro”.

the mothers os invention

Óbvio que o oitavo disco dos Beatles foi um sucesso, impulsionando o que seria a fase mais psicodélica do rock nos anos seguintes. Abriu espaço para experimentações de bandas como o Pink Floyd e arrastou os Birds, Jimi Hendrix Experience, os Rolling Stones e todo mundo para a trilha sonora da geração Woodstock, alucinada entre sexo, drogas e Rock n’ Roll. Além de, ironicamente, tirar os Beach Boys da jogada e colocar o líder da banda, Brian Wilson, em depressão após ouvir mais essa obra-prima dos Beatles. O curioso é que o próprio Paul McCartney afirmou ter sido inspirado justamente pela obra-prima dos Beach Boys, Pet Sounds, para conceber o Sargent Pepper’s. Os Stones, humildemente aceitando o estrago causado, tentariam dar o troco, ainda em 1967, com o álbum Their Satanic Majesties Request, claramente correndo atrás, surfando a onda, o tsunami. Não teve jeito.

stones-their satanic majesties request

Falando em Woodstock, foi no histórico show de 69 que outra música do Sargento Pimenta transformaria em fósseis catatônicos aquele bando de cabeludos hippies, desta vez interpretada por Joe Cocker: With a Little Help From My Friends. Há quem nunca se desgrude do culto ao disco e à versão original dos Beatles, mas a voz rouca e desesperadamente gritada de Joe Cocker fez o impossível, interpretou melhor que a original. Um hino da geração flower power. Abertura dos Anos Incríveis. 

joe cocker with a little helpfrom my friends

Contudo, antes das pedradas por causa da blasfêmia anteriormente dita, fazemos em tempo o mea-culpa. O Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band é um álbum profundamente de estúdio, o mais fundo possível a ser alcançado no estúdio. Pouco importa a versão de Joe Cocker ou de Cássia Eller no Rock In Rio. Ninguém nunca conseguirá fazer ao vivo o que foi feito nos estúdios da Abbey Road, em Londres. Sob a batuta de George Martin, as gravações abusaram dos recursos técnicos, de experimentações, de efeitos e transições. Orquestra, metais, cordas, percussão, muitas vozes, barulho e dezenas de músicos trabalhando minuciosamente, incansavelmente para atingir um resultado único, definitivo. O quinto Beatle, Martin, o escavador, descobriu o rock de estúdio.

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Um dia na vida, todo mundo precisa escutar o disco todo, música por música. Melhorando, Getting Better… duas vezes a música título, até A Day in The Life, que fecha o LP em efeitos alucinantes, vertigens. Última oportunidade que a Lonely Hearts Club Band dá ao ouvinte para sacar o que o álbum significou para a cultura, para a contracultura

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Música boa não envelhece. Um dia, um arqueólogo do futuro irá escavar os escombros de tudo isso e achará um vinil, analógico como aquele disco que enviamos ao espaço, na Voyager, para os ETs. Basta uma agulha, um cone, uma manivela e o gramofone tocará o melhor Rock n’ Roll que o acampamento poderia ouvir naquele momento. Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band.

por Homero Nunes

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The Beatles, 1967

Personagens da capa:
1. Sri Yukteswar Giri (guru hindu)
2. Aleister Crowley (bruxo ocultista)
3. Mae West (atriz)
4. Lenny Bruce (comediante)
5. Karlheinz Stockhausen (compositor)
6. W. C. Fields (comediante)
7. Carl Gustav Jung (psicanalista)
8. Edgar Allan Poe (escritor)
9. Fred Astaire (ator, dançarino)
10. Richard Merkin (pintor, ilustrador, desenhista)
11. Pin-up (por Alberto Vargas)
12. Huntz Hall (ator)
13. Simon Rodia (designer)
14. Bob Dylan (cantor e compositor)
15. Aubrey Beardsley (artista)
16. Sir Robert Peel (primeiro ministro britânico, séc XIX)
17. Aldous Huxley (escritor)
18. Dylan Thomas (poeta)
19. Terry Southern (escritor)
20. Dion (cantor)
21. Tony Curtis (ator)
22. Wallace Berman (artista, fotógrafo)
23. Tommy Handley (comediante)
24. Marilyn Monroe (atriz)
25. William S. Burroughs (escritor)
26. Sri Mahavatar Babaji (guru hindu)
27. Stan Laurel (ator e comediante)
28. Richard Lindner (pintor)
29. Oliver Hardy (ator e comediante)
30. Karl Marx (teórico, filósofo)
31. H. G. Wells (escritor)
32. Sri Paramahansa Yogananda (guru hindu)
33. Sigmund Freud (psicanalista) ou James Joyce (escritor)?
34. Anônimo de toca
35. Stuart Sutcliffe (músico da primeira formação dos Beatles)
36. Anônimo de chapéu
37. Max Miller (comediante)
38) Pin-up (por George Petty)
39. Marlon Brando (ator)
40. Tom Mix (ator)
41. Oscar Wilde (escritor)
42. Tyrone Power (ator)
43. Larry Bell (artista)
44. Dr. David Livingstone (missionário, aventureiro)
45. Johnny Weissmuller (nadador/ator/Tarzan)
46. Stephen Crane (escritor)
47. Issy Bonn (comediante)
48. George Bernard Shaw (escritor, dramaturgo)
49. H. C. Westermann (escultor)
50. Albert Stubbins (jogador de futebol)
51. Sri Lahiri Mahasaya (guru)
52. Lewis Carroll (escritor)
53. T. E. Lawrence (“Lawrence da Arabia”),
54. Sonny Liston (boxeador)
55. Pin-up (por George Petty)
56. George Harrison (Beatle)
57. John Lennon (Beatle)
58. Shirley Temple (atriz)
59. Ringo Starr (Beatle)
60. Paul McCartney (Beatle)
61. Albert Einstein (físico)
62. John Lennon (Beatle)
63. Ringo Starr (Beatle)
64. Paul McCartney (Beatle)
65. George Harrison (Beatle)
66. Bobby Breen (cantor)
67. Marlene Dietrich (atriz e cantora)
68. Legionário da Ordem dos Búfalos
69. Diana Dors (atriz)
70. Shirley Temple (Atriz)

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