Só cultivam o aforismo os que conheceram
o medo no meio das palavras,
esse medo de desmoronar com todas as palavras.
Nos “Silogismos da Amargura”, E.M. Cioran, o filósofo amargurado do título e da vida, destila seu pessimismo em breves aforismos, com o máximo de significação e o mínimo de signos, em dez capítulos pequenos, cheios de frases curtas e pensamentos intensos. O livro é carregado de estocadas críticas, depressivas, ácidas que machucam temas como o absurdo da vida, a decadência da civilização, suicídio, religião, solidão, desespero etc., em capítulos denominados, por exemplo, de “a atrofia do verbo”, “o circo da solidão”, “as raízes do vazio”, “a vertigem da história” e coisas nessa linha. Às vezes corta o pensamento num afiado humor negro, ou melhor, sarcasmo… talvez cinismo ou niilismo ou tudo isso junto, combinado com metáforas desconcertantes e aquela visão cética do fracasso inevitável. Seu pensamento é original e doloroso, contudo contraditório, carregando a beleza poética da crítica à fealdade do mundo, em um estilo corrosivo que projeta imagens perigosas e vertigens existenciais. Inteligência perigosa na decadência da realidade.
“Fracassar na vida é ter acesso à poesia – sem o suporte do talento.”
“Um monge e um açougueiro brigam no interior de cada desejo.”
“Há dois mil anos Jesus de Nazaré desconta em nós o fato de não ter morrido num sofá.”
“Perdi em contato com os homens todo o frescor de minhas neuroses.”
“Todo pensamento deveria lembrar a ruína de um sorriso.”
“Quem não conhece a humilhação ignora o que é chegar ao último grau de si mesmo.”
“O Real me dá asma.”
“A vida, esse mau gosto da matéria.”
“Concentrado no drama das glândulas, atento às confidências das mucosas, o Nojo nos transforma em fisiologistas.”
“Somos todos farsantes: sobrevivemos a nossos problemas.”
“Todas as águas são cor de afogamento.”
“O erro da filosofia é ser demasiado suportável.”
“A morte se espalha tanto, ocupa tanto lugar, que não sei mais onde morrer.”
“Como todo iconoclasta, destrocei meus ídolos para consagrar−me a seus restos.”
“A história das ideias é a história do rancor dos solitários.”
“Ser um Raskolnikov – sem a desculpa do homicídio.”
“O segredo de minha adaptação à vida? Mudei de desespero como quem muda de camisa.”
“Evolução: Prometeu, hoje em dia, seria deputado da oposição.”
“A criação foi o primeiro ato de sabotagem.”
“O que me dá a ilusão de jamais ter sido um iludido é que nunca amei nada sem ao mesmo tempo odiá-lo.”
“Só vivo porque posso morrer quando quiser; sem a ideia do suicídio já teria me matado há muito tempo.”
“No pessimista se combinam uma bondade ineficaz e uma maldade insatisfeita.”
“O grande crime da Dor é haver organizado o Caos, havê-lo convertido em universo.”
“Sobre um planeta que compõe seu epitáfio, tenhamos a dignidade suficiente para nos comportar como cadáveres amáveis.”
“Refutação do suicídio: não é deselegante abandonar um mundo que com tão boa vontade se pôs a serviço de nossa tristeza?”
“Sempre pensei que Diógenes havia sofrido, em sua juventude, algum acidente amoroso: ningúem escolhe a via do sarcasmo sem a ajuda de uma doença venérea ou de uma mulher intratável.”
“Desconfie dos que dão as costas ao amor, à ambição, à sociedade. Se vingarão por haver renunciado a isso.”
“O odor da criatura nos põe na pista de uma divindade fétida.”
“O pessimista deve inventar cada dia novas razões de existir: é uma vítima do “sentido” da vida.”
“Nos tormentos do intelecto há uma decência que dificilmente encontraríamos nos do coração. O ceticismo é a elegância da ansiedade.”
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Coluna Ipsis Litteris
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