Hoje eu quero ir ao cinema nem que seja por uma cena

por Viviane Loyola

Este texto não é sobre um filme. É a respeito de mais de um filme e como cenas nos causam sensações diversas, de incômodo, de estranhamento, de raiva, de encantamento, de amor.   

 

Projeto Florida, 2018

Projeto Flórida é um filme tão difícil, o cinema sabe ser incômodo, que reparei quatro pessoas indo embora da pequena sala do cineclube na primeira meia hora de exibição. Ouvia-se suspiros, cochichos, tosses e risos nervosos. Tudo isso é raro. Não é qualquer filme que provoca tal reação.  Quis ir embora também e depois pensei não vou de jeito nenhum. Tem alguma coisa no filme que não sei explicar, alguma coisa que me fez ficar e o tempo todo pensava onde isso vai acabar, como vai terminar essa história que se arrasta em planos lentos e sequências longas, quase um documentário da mediocridade da vida num condomínio de classe baixa nos Estados Unidos. Um primor de atuação de William Dafoe. O filme em grande parte é ele. O filme é ele e as crianças. Um olhar sobre a infância que nada tem de fofo. É angustiante. Acho quis ficar por Dafoe. Quis ficar pelas crianças que me pareceram tão reais, pelo cotidiano que pode ser tedioso mas se mostra rico em imagens e expressões. Que bom resisti até o último minuto.  A sequência final vale o filme, a experiência toda. Quando os créditos sobem a gente demora uns segundos para entender, processar o que acabou de ver. E sair de uma sala de cinema e o filme permanecer em você é uma prova de que o filme importa. 

 

Como Nossos Pais, 2017

O incômodo com Projeto Florida se repete na cena do diálogo entre mãe e filha no filme Como nossos Pais, o acerto de contas das personagens, uma despedida áspera, pode provocar emoção em alguém; eu tive foi um incômodo louco. Mas o filme tem cenas lindas e doces e inspiradoras.  Em uma delas a personagem central, vivida pela atriz Maria Ribeiro, lamenta por não escrever, “agora não posso mais, passou a data do concurso que mandaria minha peça”. Um jovem retruca: “Mas você escreve para o concurso ou para você?”. Desde então tenho pensado muito nisso. A gente faz as coisas só para mandar para o concurso? Hoje tenho escrito para mim. Tenho feito isso sem respeitar datas, prazos ou prêmios em dinheiro. Quando o filme termina e você lembra exatamente de um diálogo, e leva com você uma lição, é uma demonstração de que o filme importa.  

 

Corpo Elétrico, 2017

Falando em cenas belíssimas em Corpo Elétrico, filme brasileiro, tem uma cena em que um grupo de drags no Ano Novo brinda e comemora a notícia de que um casal de amigos evangélicos está noivo. Então esse grupo de drags simula o casamento, com direito a trilha musical, e brincam de fantasiar os noivos e todos comemoram juntos e felizes. O casal se beija, os gays se beijam, todo mundo se beija.  São trabalhadores de origem humilde, brindam com cerveja barata, se divertem como podem nas poucas folgas que tem. Evangélicos e drags trabalham na mesma fábrica de tecidos em São Paulo, junto a imigrantes africanos, nordestinos e mães solteiras. Todos são iguais nas adversidades e percebem isso. Fiquei comovida porque a gente não pode se separar assim, não pode se agredir por conta do preconceito. Temos tanto em comum, todas as mazelas de um país desigual nos pertencem. Héteros, gays, trans, evangélicos, católicos, negros, brancos, homens e mulheres. Não deveríamos lutar uns contra outros e sim juntar forças por um lugar melhor para se viver. O filme me trouxe esperança de todos estarmos em uma mesma festa e nos beijarmos sem pudor. Quando na última cena de um filme você chora e se enche de tanta beleza é porque o filme importa. 

 

A imagem de capa e esta aqui são do filme “Cinema Paradiso”, de 1988

Sou dessas que memorizam cenas e registram emoções. Saio do cinema e às vezes nem penso o filme todo. Fico fixa em uma cena que decoro e quero ver de novo. Carrego essas cenas comigo pela vida e falo delas nos textos. Misturo filmes, imagens, sensações diversas para compor o caos cinematográfico em que habito. Acho que quando a gente sai de casa por uma cena é porque o cinema importa.        

 

por Viviane Loyola

Coluna: Cinema

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