SPOTLIGHT: uma aula de jornalismo em um filme sobre publicações que incomodam

por Isso Compensa

O Jornalismo tem a dura missão de destruir ilusões, de trazer à tona os demônios, de mostrar o que “os outros” tentam esconder. Em “Spotlight: segredos revelados”, filme vencedor do Oscar de melhor filme em 2016, “os outros” são a Santa Madre Igreja Católica e um monte de sacerdotes pedófilos. O filme conta a história das investigações que jornalistas do Boston Globe fizeram em 2002 para denunciar casos de abuso sexual na Igreja e da série de reportagens que abalaram a fé de milhões e a credibilidade da mais importante instituição religiosa da cristandade.

Mesmo levando em conta que o cinema recorta a realidade e edita conforme o tom que se escolhe projetar nas telas e nas cabeças, o filme serviu de documento sobre o que ocorria nos subterrâneos das relações entre religiosos, das sacristias, da fé. Mostrou como o trabalho jornalístico foi capaz de causar um impacto social importante e tornou acessível para nós a história (quem quiser mais detalhes pode recorrer diretamente aos arquivos do jornal; no atalho, o filme está disponível na Netflix).

Publicando o que ninguém queria saber, pelo horror, e o que muitos não queriam deixar vazar, por culpa, o Jornalismo fez o seu trabalho. Muito minucioso, aliás, com milhares de documentos analisados, centenas de entrevistas. Investigação que culminou em denúncias de inúmeros casos nos Estados Unidos e mundo afora. Inclusive no Brasil. Muita gente preferiu não acreditar, segurando na fé, pensando que o bem que a Igreja já fez (e ainda faz) era maior que o mal que escondeu. Contudo, o Jornalismo é cruel quando é bem feito, não deixa margens para pós-verdade ou suposições de Fake News.

A Igreja teve que expiar os próprios pecados, publicamente. Ainda hoje precisa lidar com os ecos das reportagens (e do filme). Mesmo o Papa Francisco, que nem era papa na época, já declarou suas preocupações sobre o que acontece no submundo de seu pontificado, dizendo ser a pedofilia pior que sacrifícios humanos. Um estrago de credibilidade e confiança, que talvez nunca mais possa ser restaurado na imagem da igreja Católica.

A equipe de jornalismo do Spotlight (holofote) desvendou coisas que doeram em muita gente, dilaceraram corações, acabaram com muitas crenças, colocaram em dúvida a Igreja. Mas os maus feitos já estavam lá quando foram descobertos, foram obra de quem se achava imune dentro do aparato institucional, poderoso pela imagem pública que ostentava, pela credibilidade que tinha na sociedade. Se o jornalismo ofendeu a fé, os heróis, os mitos, coube repensar as crenças, pressionar a hierarquia, cumprir o luto. Uma sociedade democrática só é possível com a imprensa livre, com um Jornalismo capaz de publicar coisas que machucam, que incomodam os poderosos. Não que seja coisa de Clark Kent, pois tem a criptonita do sensacionalismo, dos interesses escusos, da falta de ética. Mas o bom jornalismo é sempre a favor dos fatos. O jornalismo precisa estar contra.


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