Rocketman: precisamos falar de resistência

por Viviane Loyola

O filme Rocketman é sobre um artista que não se despediu de seu público. É sobre uma vida longa e difícil e fértil musicalmente. Os que vão cedo se eternizam na memória, mas os que resistem se reciclam no tempo. Depois de assistir ao filme pensei muito nisso, em como merecem homenagens os que resistem, em como nos esquecemos por vezes de celebrar a vida, é árduo o esforço dos que enfrentam o vício e sobrevivem a ele. Toda obra de Elton John foi revista para mim a partir do filme. Passo a admirar mais Elton por produzir em meio a uma vida tão atribulada, por traduzir de forma tão musical seus demônios e, principalmente, por resistir tão bravamente ao fim. 

Cazuza se foi jovem, aos 32 anos. No frio, nas férias escolares, em meio às festas julinas. Passei horas em frente à televisão em 07 de julho de 1990 acompanhando a repercussão de sua morte, me derramando em saudade, vendo partir o primeiro ídolo da geração do rock nacional dos 80. Seis anos depois perderíamos Renato Russo. Todos falavam em abuso de álcool e drogas, excesso de shows e viagens, uma vida liberta de convenções. Eu admirava a liberdade, mas desejava tê-los por mais tempo.     

Nunca mais quis saber do masoquismo de assistir televisão quando morre um ídolo.  A tristeza foi ainda maior porque Cazuza cantou “meus heróis morreram de overdose” – causou nos fãs a mesma sensação de desamparo que experimentou quando seus ídolos morreram, dando a impressão que a morte precoce era inevitável.  Freddie Mercury nos deixou em 1991. Parte de sua biografia está retratada no recente filme Bohemian Rhapsody, 2018.  O filme é sobre a vida dele, mas o fim nos deixa a sensação incômoda de uma partida e nos faz reviver a sequência de mortes por Aids nos anos 80 e 90 de figuras importantes da música, do cinema e da televisão. 

Pensando em Cazuza, em Renato, em Freddie, e tantos outros artistas, parece que tudo se resume a esse destino de gostar de alguém e se despedir de alguém e continuar gostando sem esse alguém saber.  Essa sensação é diferente com Elton John, retratado no filme atualmente em cartaz, Rocketman. Porque ele vive embora tenha flertado com a morte diversas vezes na juventude, no apogeu de sua carreira. O filme fala de sobrevivência. Nos momentos mais sensíveis o que se vê na tela é o esforço de resistência. O corpo que resiste ao excesso de trabalho, drogas, festas. A alma que resiste às desilusões amorosas, aos aproveitadores, aos empresários.  Tantas vezes não se sentia bem e foi alçado ao palco para cumprir o contrato, para atender às expectativas, para servir ao interesse de outros.  

Singer Elton John performs before announcing his final “Farewell Yellow Brick Road” tour in Manhattan, New York, U.S., January 24, 2018. REUTERS/Shannon Stapleton

Elton John se desnuda nas letras que acompanham seu início, seu apogeu, sua decadência e depois, para nossa sorte, sua reinvenção. Talvez nunca tenha sido tanto fã de Elton John quanto fui de Freddie porque ele nunca foi genuinamente um músico de rock. Sempre foi um cantor, compositor, um astro pop das baladas românticas e melódicas. Isso não impediu que Elton se alinhasse aos ídolos roqueiros nos excessos. O homem de estatura mediana, roupas escandalosas, estilo irreverente, viveu décadas sombrias, tristes, foi ao limite, tudo tão diferente do que sugerem suas performances divertidas. É que a gente nunca sabe o que se passa com as pessoas realmente. Quer dizer, nunca sabe até ela própria contar em filme e nos dar a possibilidade de agradecer por estarem vivas apesar de tudo.      

 por Viviane Loyola

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