Infiltrado na klan: a mágica de fazer um filme de época parecer o mais atual de todos
por Viviane Loyola
Fui ao cinema assistir a Infiltrado na Klan e acabei assistindo aos meus pesadelos na tela. O filme é sobre o que me aflige, fala do perigo de uma onda conservadora tomar conta da sociedade, ocupar o podre, e de preconceitos serem banalizados. O filme é político. Não adianta. O filme é de Spike Lee. Não seria diferente. Se você está com dificuldades no momento de encarar os fatos políticos, vai ficar incomodado. Tendo sensibilidade vai ficar mexido porque o filme escancara o racismo, as práticas nefastas da Ku Klux Klan. O filme não é hipócrita. O racismo tem a conivência de autoridades políticas, está impregnado tanto no pensamento de uma elite branca dominante quanto nas falas do cidadão médio americano. O protagonista do filme é o primeiro detetive negro da cidade de Colorado Springs e convive com as chacotas de seus colegas. O racismo se expressa nos olhares de estranhamento de uns com os outros, nas piadas de rua, nos programas de entrevistas, nas conversas cotidianas na delegacia. Está em toda parte e atinge às minorias, negros, judeus, imigrantes e homossexuais. A Ku klux Klan é apenas uma explicitação da intolerância, uma derivação política do ódio étnico. Mas o racismo, o filme deixa claro, vai muito além de uma sigla.
O curioso é que o filme narra uma história real que se passa na década de 70, nos Estados Unidos, mas o diretor Spike Lee nos lembra que o passado pode ser revivido a qualquer momento e que o governo atual de Donald Trump se aproxima perigosamente de organizações racistas. Ao longo de meses, o detetive Ron Stallworth manteve conversas telefônicas com uma liderança da Ku Klux Klan. Nesses contatos ele fingia ser um homem branco, aliado da organização, e cumpria o dúbil papel de proferir xingamentos terríveis contra negros. Essa situação surreal confere ao filme momentos de humor, mas é sempre uma risada nervosa, a ironia como proteção aos piores sentimentos. Os contatos pessoais obviamente não poderiam ser feitos por Stallworth e um policial branco comparecia às reuniões se fazendo passar por ele. Formou-se uma dupla investigativa: o policial negro se comunicando por cartas e telefone com a lideranças e o policial branco se apresentando às reuniões e circulando pelas instâncias decisórias da Ku Klux Klan. Um plano engenhoso para se infiltrar nos meandros da organização e evitar ataques terroristas.
O tempo todo no cinema fiquei admirando a genialidade de Spike Lee na escolha oportuna do tema, no paralelo que realiza entre passado e presente. Porque ele fala de um caso real e isso confere realismo ao problema do racismo. Porque ele nos faz ter simpatia pelo protagonista, sem que o vejamos como vítima. Não se trata de um drama pessoal. O racismo aparece como um mal maior, uma doença social, que atinge a jovens militantes, famílias, pessoas em ambientes de trabalho. A solução é combatê-lo politicamente, na mídia, nos tribunais, nas manifestações populares, em todos os espaços possíveis. A melhor maneira de combatê-lo, sem negar jamais sua existência, é tema dos diálogos entre personagens e nos vemos envolvidos e capturados pela história. Uma história americana que busca confrontar o racismo nos Estados Unidos, mas que se mostra uma história universal sobre a perversão e os séculos de desigualdade social. Uma história que fala do racismo da Ku Klux Klan e nos faz lembrar por associação do Apartheid sul-africano, da Alemanha nazista, dos ataques terroristas xenófobos na Noruega, da miséria de vários países africanos, das senzalas brasileiras e do assassinato de milhares de jovens negros ainda hoje. Um diretor que consegue transformar um drama americano, que se passa nos anos 70, em um filme sobre a condição humana na atualidade. Toda minha admiração a Spike Lee por fazer essa mágica acontecer e por me fazer rir e chorar assistindo a um mesmo filme. Esses são sempre os melhores.
por Viviane Loyola
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