Diógenes, o cínico, sentado ao chão, tomava sol recostado às rochas. Fazia frio. Um cão repousava deitado e outro coçava as pulgas; o terceiro lambia as feridas. Um latido seco rompeu a quietude daquela manhã. Uma enorme sombra o cobriu de repente. Abriu os olhos e viu um sujeito montado, de sandálias trançadas e reluzente elmo. A voz, imperativa e grave, ecoou nas rochas ao lado: – é você o Diógenes de que falam? O sábio que habita um barril? O cínico entreabriu os olhos, preguiçoso e indolente e meneou a cabeça. A voz que vinha da sombra então continuou: – sabes quem sou? Nada em resposta, insistiu: – sou Alexandre, o Magno. Venho de Atenas… por lá ouvi dizer que um sábio da estatura de Sócrates vivia em triste miséria, procurando justos à luz do dia, derramando-se em vinho barato, habitando um velho barril junto aos cães. Diógenes olhava desconfiado e esboçou um bocejo, mas conteve-se pensando nas amarras da educação que tal figura inoportuna poderia lhe exigir, depois caiu em si, percebeu que sua situação não exigia amarra alguma e bocejou tão longamente que seus olhos lacrimejaram. Alexandre, incomodado pela falta de deferência daquele velho maltrapilho, passou logo ao assunto: – venho para tirar-lhe de tal miséria, diga-me o que queres e lhe será concedido. Silêncio. Os segundos se passavam, Diógenes pensativo organizava as idéias antes de dizer: – qualquer coisa? O imperador impaciente respondeu: – ora, qualquer coisa! Diga-me o que desejas e lhe será concedido. Sem pressa, Diógenes recostou-se novamente às rochas e, com um movimento brusco com a mão esquerda, disse: – então movas este cavalo que estás a fazer sombra em meu sol!
Alexandre, o Grande, o olhou surpreso. Nada disse. Mirou o horizonte, sentiu a brisa que vinha do mar bater-lhe o rosto, fez sinal à sua comitiva e seguiu conquistando o mundo. Morreu alguns anos depois, afundado em sua megalomania. Diógenes sobreviveu muito mais, um dia de cada vez, cínico e sabiamente desapegado a qualquer coisa.
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Diógenes no barril, cercado por cães – pintura de Jean-Léon Gérôme, de 1860 |
“Para que serve um filósofo, se não para machucar os sentimentos de alguém?”
Diógenes 404 a.C. – 323 a.C.
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