A linguagem está presente em todas as atividades humanas, seja como manifestação gestual, sonora ou escrita. É por meio dela que observamos e absorvermos o mundo. Mais que isso: interpretamos o mundo a partir de suas categorias.
Alguns pensadores, como Roland Barthes, por exemplo, defendem que a linguagem é instrumento de poder em vários âmbitos sociais: no Estado, no esporte, na ciência, nas relações familiares etc. De acordo com o autor, “…no campo da linguagem, servidão e poder se confundem, a língua é fascista; pois o fascismo não é impedir de dizer, e sim obrigar a dizer algo” (BARTHES, 1977). Contudo, Barthes admite uma possibilidade de a linguagem assumir outra forma: na literatura, ela rompe esse caráter “fascista” para se tornar múltipla, democrática, criadora. A arte tem a capacidade de “deslocar” seu espectador, possibilitando, assim, uma ruptura nesse caráter fixo (e, portanto, autoritário) da linguagem.
Bakhtin, por sua vez, concebe a linguagem como atividade socio-interacional, ou seja, o sujeito é construído a partir de suas relações coma a linguagem. Ou melhor: ele constrói e é construído. A partir dessas duas visões, podemos adentrar em um terreno específico da linguagem, a saber, a gramática.
De modo sucinto, é possível dizer que a gramática é a portadora de “regras” de como escrever: a gramática normativa (composta por sintaxe, semântica e fonologia) representa o padrão a ser seguido. Todavia, ela não pode ser usada como instrumento de opressão de modo a estabelecer (moralmente, inclusive) o que é certo e o que é errado. Há variadas maneiras de comunicação e expressão e, em linhas gerais, não é lícito em termos epistemológicos, que haja hierarquia entre eles. Lembremos, à guisa de ilustração, do poema de Oswald de Andrade:
PRONOMINAIS Dê-me um cigarro Diz a gramática Do professor e do aluno E do mulato sabido Mas o bom negro e o bom branco Da Nação Brasileira Dizem todos os dias Deixa disso camarada Me dá um cigarro
O ensino de gramática, deste modo, embora fundamental para o progresso do estudante, não pode ser apenas um veículo do ideário da elite. É preciso “abraçar” a linguagem oriunda do próprio aluno, a linguagem oral – e mesmo a gestual –, para que o processo ensino-aprendizagem seja dialético e dialógico.
Mais do que ver a linguagem como uma capacidade humana de construir sistemas simbólicos, concebe-se a linguagem como uma atividade constitutiva, cujo lócus de realização é a interação verbal. Nesta relacionam-se um eu e um tu e na relação constroem os próprios instrumentos (a língua) que lhes permitem a intercompreensão”. (GERALDI, 1996, p. 67).
É neste sentido que se faz necessário “repensar” a formação do professor de Língua Portuguesa. Primeiro, para que este profissional conceba a língua como algo orgânico, passível de transformação temporal. Segundo, para que ele enxergue o estudante como sujeito ativo, com linguagem própria, bagagem cultural e emocional e não como mero receptáculo de informações.
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*Matheus Arcaro é mestre em filosofia contemporânea pela UNICAMP. Pós-graduado em História da Arte. Graduado em Filosofia e em Comunicação Social. É professor, artista plástico e escritor, autor do romance “O lado imóvel do tempo” (Patuá, 2016) e do livro de contos “Violeta velha e outras flores” (Patuá, 2014). Está lançando Amortalha, livro de contos, também pela Patuá.
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